NOBREZA NA HISTÓRIA

Bem vindo ao blog NOBREZA NA HISTÓRIA. Contém os cinco primeiros capítulos do meu livro A VOLTA AO MUNDO DA NOBREZA, que narra episódios interessantes descrevendo a atuação da nobreza de vários países ao longo da História. Se você gostar desses cinco capítulos, poderá adquirir o livro nos seguintes sites:
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Leon Beaugeste

segunda-feira, 26 de maio de 2008

01 - NOSTALGIA DE UM MUNDO COM A DOÇURA DE VIVER

As minhas leituras durante as férias haviam sido quase todas sobre a rainha Maria Antonieta, provavelmente a soberana mais caluniada da História.(54:274) Desde os primeiros sintomas de uma revolução em marcha, ela era o alvo de acusações caluniosas: gastava quantias exorbitantes, era leviana e infiel ao marido Luís XVI. O caudal de acusações gratuitas ia se avolumando. Livretos satíricos, cançonetas, epítetos desprestigiantes, tudo tinha livre curso com a complacência ou conivência da polícia. Mas a realidade era muito diferente. O escritor e filósofo inglês Edmund Burke narra os dois encontros que teve com ela:
***
Faz já dezesseis ou dezessete anos que vi a Rainha de França, em Versalhes, quando era ainda a jovem esposa do futuro rei. Sem dúvida, nunca tinha descido a este mundo – que ela mal parecia tocar – uma visão mais deleitável. Vi-a precisamente despontar no horizonte, adornando e animando a elevada esfera na qual começava a mover-se, cintilando como a estrela matutina, cheia de vida, esplendor e alegria.
Oh! que revolução! E que coração precisaria ter eu para contemplar, sem emoção, tal ascensão e tal queda! Não podia sequer sonhar – quando ela inspirava não só a veneração, mas também um amor entusiástico, distante e cheio de respeito – que alguma vez ela se veria obrigada a levar, escondido no seu seio, o pungente antídoto contra o opróbrio. Não podia imaginar que viveria para ver semelhantes desgraças abaterem-se sobre ela numa nação de homens galhardos, numa nação de homens honrados e de cavalheiros. Supus que dez mil espadas teriam saltado para fora das suas bainhas para vingar tão somente um olhar que a ameaçasse de um insulto. Porém a era da Cavalaria passou. Sucedeu-a a dos sofistas, economistas e calculistas, e a glória da Europa está extinta para sempre.
Nunca, nunca mais contemplaremos aquela generosa lealdade para com a categoria e o sexo frágil, aquela ufana submissão, aquela obediência dignificada, aquela subordinação do coração, que até na própria servidão mantinha vivo o espírito de uma liberdade enaltecida. A inapreciável graça da vida, a pronta defesa das nações, o cultivo de sentimentos varonis e de empreendimentos heróicos, tudo isso desapareceu. Desapareceu aquela sensibilidade de princípios, aquela castidade da honra, que sentia uma mácula como uma ferida, que inspirava a coragem ao mesmo tempo que mitigava a ferocidade, que nobilitava tudo aquilo que tocava, e sob a qual o próprio vício, perdendo tudo o que tem de grosseiro, perdia a metade da sua maldade.(29:89)

Diante de depoimentos como este, creio que se entenderá facilmente o motivo da minha intervenção naquela aula fatídica: eu estava de fato defendendo a honra e a memória de Maria Antonieta. Sem ser nobre, sem ter ao meu alcance uma espada, eu esgrimia com os falseadores da História e procurava convencer a todos do que eu agora sabia. Não apenas a impressão pessoal de um pensador e escritor como Burke, mas fatos, muitos fatos que me deixaram enlevado, agradecido àquela rainha simplesmente por ter existido. Neste primeiro dia, quero compartilhar com os amigos alguns desses fatos, além de outros sobre personagens nobres, fornecidos pelos meus colegas.
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No dia 13 de janeiro de 1775, Maria Antonieta assistiu em Paris à ópera Iphigénie en Aulide, de Gluck. No segundo ato, um coral se inicia com o verso “Cantai, celebrai vossa rainha”. O cantor Achille o substituiu por “Cantemos, celebremos nossa rainha”. Nesse momento todo o público se levantou e prorrompeu em prolongados aplausos, que emocionaram a rainha até às lágrimas.(59:107)
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Maria Antonieta assistiu a uma das apresentações da ópera-cômica “Pedro, o Grande”, da qual Grétry compusera a música. Quando ela apareceu em seu camarote, os assistentes aclamaram de pé suas três reverências. Depois de sentar-se, ela passeou o olhar pela sala e descobriu numa frisa a filha de Grétry, sua afilhada, cujo nome era Antonieta em sua homenagem. Retirando a luva, depositou sobre a ponta dos dedos um beijo, e o fez voar com um sopro para sua afilhada. Esta infração encantadora da etiqueta desencadeou uma tempestade de aplausos, de lágrimas, que interrompeu durante quase um quarto de hora a orquestra e os cantores.(41:85)
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A rainha Maria Antonieta participava de todas as cerimônias da corte, mas preferia a vida doméstica e simples. Ao invés do grande teatro de Versalhes, preferia assistir com gosto às representações teatrais no pequeno teatro da cidade. Tinha ali uma frisa junto ao palco, e freqüentemente comparecia acompanhada da princesa de Lamballe. Numa cena da peça Os ceifadores, os personagens almoçam uma sopa de repolhos. A rainha gostou tanto do cheiro da sopa, que pediu autorização para participar da refeição, o que lhe foi concedido. Daí em diante, sempre que era representada a peça, havia na mesa um lugar reservado para a rainha.(27:2:393)
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Um estudante de Tours visitou Versalhes, que era aberto a toda a população, em companhia de uma parenta grávida. Percorreram deslumbrados o palácio e caminhavam pelo jardim no meio da multidão de visitantes, mas a gestante manifestou sinais de cansaço. O estudante procurou um banco para ela sentar-se. Estavam todos ocupados, mas de repente ele viu um de mármore, onde estavam apenas duas senhoras, e cabia mais uma. Correu para lá e tomou posse do lugar vago ao lado delas, reservando-o para a gestante. Mas uma das senhoras era a própria rainha Maria Antonieta. Ao percebê-lo, o estudante levantou-se confuso, desculpou-se e justificou a intromissão. A rainha o acolheu com benignidade:
— Pois vá logo buscá-la, que o lugar fica reservado para ela.
Quando a gestante ia sentar-se, a rainha chamou um criado e ordenou:
— Vá ao meu quarto e traga uma almofada para esta senhora.
E explicou:
— Este banco de mármore é muito frio para a senhora neste estado, que exige muitos cuidados.
Em seguida se estabeleceu uma longa e amável conversa entre mãe e futura mãe.(41:84)
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Como mãe carinhosa, a rainha Maria Antonieta comprava presentes para os filhos nas festas de fim de ano. Num ano de inverno rigoroso, quando a população sofria privações de toda ordem, ela encomendou de Paris os melhores brinquedos, bonecas e jogos que estavam à venda, e os colocou numa sala para os filhos. Reuniu-os para apreciá-los, e depois explicou:
— Meus filhinhos, eu queria dar-lhes bonitos presentes de Natal, e por isso os encomendei para que escolhessem. Mas quero propor uma coisa melhor. Há muitos pobres que estão sofrendo por causa do inverno, e se tornariam muito menos infelizes se pudéssemos dar-lhes algum dinheiro. Vocês não querem aliviar o sofrimento deles, deixando de receber este ano os seus presentes e dando-lhes o dinheiro equivalente?
Os brinquedos foram todos devolvidos, mas a rainha teve ainda o cuidado de indenizar o vendedor pelas despesas de transporte que tivera.(15:184)

Antes daquela minha viagem literária, eu estava muito longe de imaginar que Maria Antonieta fosse o que transparece nos fatos acima. Não sei como alguém conseguiria conciliar este último relato histórico – e há muitos outros – com a calúnia de que os gastos enormes dela eram responsáveis pelo déficit das finanças francesas, a ponto de os revolucionários a alcunharem de Madame Déficit.(17:147) Gastando dinheiro da sua dotação pessoal ou do rei, isso que pouco influía nas contas do governo.
Muitos outros fatos vieram confirmar essa nova impressão, e eu os irei incluindo à medida que este blog for tomando corpo. Agora vamos aos fatos fornecidos por meus colegas. Quando discutíamos sobre o modo de conseguir o que o professor exigiu, ficou combinado que os meus colegas usariam pseudônimos. Foram escolhidos um tanto arbitrariamente, geralmente ligados a nobres famosos. Alguns deles estão vinculados ao país de origem dos seus ancestrais.

From: Richelieu
Beaugeste, conheço um fato da França indicando a afabilidade com que os monarcas tratavam os súditos.
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Durante uma caçada, o rei francês Henrique IV distanciou-se do grupo. Encontrando um camponês, e sem se identificar, pediu-lhe que o conduzisse a um determinado local de encontro dos caçadores. O camponês se dispôs a acompanhá-lo, e no caminho manifestou o grande desejo que tinha de conhecer o rei.
— O senhor nunca o viu?
— Nunca.
— Bem, então eu o mostrarei daqui a pouco, pois ele também estará no local aonde vamos.
— E como farei para saber quem é o rei?
— Muito fácil. Nesse local, todos os homens estarão de chapéu na mão, e só o rei o terá na cabeça.
Quando o rei se aproximou do grupo, todos se descobriram, e ele perguntou ao camponês:
— Agora o senhor já sabe quem é o rei?
— Bem, só nós dois estamos com o chapéu na cabeça. Portanto, ou sois vós ou sou eu.(109:1753)

From: Valdeiglesias
Beaugeste, minha família é originária da Espanha, e ouvi em casa muitos relatos sobre a vida dos reis e dos Grandes de Espanha. Vou colocá-los à sua disposição, à medida que conseguir desencravá-los da memória.
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Filipe II da Espanha foi surpreendido na estrada por uma forte e prolongada chuva, que o obrigou a pedir hospedagem na casa do lavrador Pedro Carrasco. Satisfeito com o tratamento que lhe foi dado, mas que custara muitos incômodos ao lavrador, no dia seguinte ele disse:
— Pedro, pela boa acolhida que me fizeste, percebo que tens amor ao teu rei. E estou disposto a conceder-te a graça que me peças.
— Senhor, um homem como eu não tem outra ambição nem outra esperança além de que a colheita seja boa. Se isso está ao alcance de Vossa Majestade, então eu a quero.
— Os reis não podem tornar a colheita boa ou má, conforme queiram, pois isso não depende deles.
— Então não se preocupe Vossa Majestade, que vou pedir essa graça a Deus.
— Mas, nas coisas que dependem dos homens, não tens nada a pedir? Riquezas, honras, casamentos para as filhas?
— De honras, senhor, não necessito além das que me dá a minha consciência tranqüila. Riqueza, tenho a que me basta. Quanto às minhas filhas, eu as casarei eu mesmo, e creio que serão muito felizes.
— Bem, mas não pedirás nada para ti?
— Senhor, pedirei a Deus que não sejamos novamente obrigados a encontrar-nos nesta terra, como hoje, mas que nos encontremos no Céu.(10:225)
***
Apresentou-se a Filipe II um soldado que servira longamente no exército, e pediu:
— Senhor, eu servi no exército de Vossa Majestade durante toda a vida, e agora vejo-me na contingência de ir para a reserva sem ter o suficiente para comer.
O rei concedeu-lhe uma pensão adequada, mas alguns meses depois o soldado se apresentou para novo pedido. O rei contestou:
— Então não foi suficiente a pensão que lhe concedi há poucos meses?
— Sim, Majestade. Concedestes uma pensão que me basta para comer. Mas eu me esqueci de pedir uma pensão para beber.
O sisudo Filipe II quase se permitiu rir do pedido, e concedeu um aumento de pensão ao soldado.(19:3:121)

From: Chateaubriand
Sempre me interessei pela literatura francesa, Beaugeste, por isso adotei como pseudônimo o nome de um grande escritor francês, que era também de família nobre. Nessas minhas andanças pela literatura, interessava-me muito conhecer o papel dos vários personagens históricos que apareciam nos livros, e com isso adquiri um bom conhecimento sobre eles. Creio que isso será útil ao seu trabalho, e começo hoje relatando um episódio distensivo.
***
Um dia Luís XVI saiu de Versalhes com o príncipe de la Paix, ambos usando trajes comuns. Logo encontraram um carreteiro chicoteando violentamente os cavalos, que não conseguiam fazer o movimento adequado para desencalhar a carroça. O rei perguntou:
— Por que maltratas assim esses pobres animais?
— Ora, se sois mais tarimbado que eu, podeis tomar este chicote e desencalhar a carroça.
O rei tomou o lugar do carreteiro e tentou fazer o serviço, mas o movimento que conseguiu dar à carroça acabou por virá-la. O carreteiro se pôs a praguejar e amaldiçoar o imprudente, que ponderou:
— Ora, meu amigo, o mal está feito. Agora só nos resta consertar o erro. Mas nós vamos ajudar.
E tanto ele como o príncipe se puseram a descarregar, empurrar, recarregar. Nesse momento chegaram algumas pessoas que reconheceram o rei, e o disseram em voz alta. O carreteiro, apavorado com a informação, saiu correndo para esconder-se. Logo o monarca mandou buscá-lo, e perguntou:
— Por que fugiste? Nós não te ajudamos bastante, e não somos bons trabalhadores? Toma isto, para consolar-te.
E colocou algumas moedas nas mãos do carreteiro. Em seguida voltaram os dois ao palácio, com a roupa e os sapatos sujos de barro, mas rindo-se a valer.(27:1:576)

From: Schwartzenberg
Beaugeste, tenho sangue alemão e admiro muito as boas coisas que a Alemanha produziu. Acho que meu acervo de fatos poderá ser-lhe útil.
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Em visita a uma escola de aldeia alemã, Frederico II recebeu um buquê de flores entregue por uma menina, agradeceu e resolveu fazer-lhe um exame oral.
— A que reino pertencem estas flores?
— Ao reino vegetal.
Frederico deu-lhe uma moeda, e acrescentou outra pergunta:
— E esta moeda, a que reino pertence?
— Ao reino mineral.
— Parabéns! E eu, a que reino pertenço?
A resposta que deveria ser dada – ao reino animal – pareceu pouco respeitosa à criança, e ela achou uma saída:
— Ao reino de Deus.
Sorrindo, o soberano comentou:
— Aceito a tua resposta como uma manifestação do teu bom coração.(32:5175)
***
A escritora francesa Olimpia Andouard viajava em carruagem de aluguel na Alemanha. Quando desceu, entregou ao cocheiro uma moeda cujo valor ela julgava suficiente. O cocheiro devolveu-a, falando alemão e gesticulando furiosamente. Ela não falava a língua alemã e não sabia como resolver o assunto. Nesse momento saía de uma casa próxima um senhor distinto, que se aproximou e disse em francês:
— Vejo que a senhora não fala nossa língua.
— Muito sonora, como podeis ver.
— Seja como for, está claro que seria útil conhecê-la. Mas não se preocupe, que eu resolverei o assunto. Quanto tempo durou a viagem?
Obteve do cocheiro o valor que ele esperava receber, transmitiu-o à escritora e esta efetuou o pagamento, mas notou que o infeliz tremia dos pés à cabeça. O cavalheiro perguntou-lhe ainda:
— Quanto a senhora pretende dar de gratificação?
— Duas libras.
— Duas é demais. Basta uma, e não se deve desperdiçar dinheiro.
— O senhor está me parecendo um tanto avarento.
— Não avarento, mas econômico.
Os dois se despediram, depois dos agradecimentos e demonstrações de simpatia. À noite a francesa estava entre os convidados de um banquete na corte, e espantou-se ao identificar no anfitrião, rei Guilherme I, o cavalheiro que resolvera a sua pendência com o cocheiro. Ele se aproximou e disse:
— Agora a senhora entende por que devo ser econômico: o dinheiro que eu gasto é dos meus súditos.
— E estou entendendo também por que aquele vosso súdito tremia tanto.(32:6914)

From: Chesterfield
Quando era ainda príncipe de Gales, um dia Eduardo VII caminhava sozinho por uma estrada rural, e alcançou uma velhinha carregando com cuidado uma cesta. Puxou conversa, enquanto andava ao seu lado, e perguntou:
— O que a senhora carrega nesta cesta?
— Estou voltando do mercado e levo para casa os ovos que não consegui vender.
— Ovos?! Mas eu estou interessado em ovos frescos. Se a senhora me ceder os seus, darei em troca um retrato da minha mãe.
— Meu filho, que queres que eu faça com o retrato da tua mãe?
— Quem sabe!...
Chegaram à cabana da velhinha, e o príncipe lhe deu então uma moeda de ouro onde estava cunhado o perfil da rainha. Só então ela entendeu quem era o seu companheiro de estrada.(32:4682)

From: Kaunitz
Alemanha e Áustria, além de países vizinhos, têm origem étnica, cultural e histórica muito próximas. Mas é bom conduzir independentemente os dois países, portanto proponho-me a cuidar da Áustria alegre e dançante, deixando ao Schwartzenberg a parte maior do mundo germânico.
***
Tendo ao colo o filho que se tornaria o imperador José II, a imperatriz Maria Teresa passeava a pé pelas ruas de Viena e encontrou uma mulher pobre com o filho ao colo. A criança estava muito magra, e a imperatriz penalizada deu à mãe uma moeda.
— O que poderei fazer com uma moeda de ouro, senhora? Meu filho caminha para a morte porque lhe falta o leite, pois o meu seio secou.
A imperatriz tomou a criança nos braços e lhe ofereceu o próprio seio, só devolvendo-a depois de estar saciada.(32:9268)
***
Maria Teresa acompanhava pessoalmente a construção do palácio de Schönbrunn. Um dia encontrou um bando de meninos que brincavam de modo perigoso, escalando o muro com o risco de cair e fraturar até mesmo o pescoço. Mandou chamar o chefe dos garotos e ordenou que lhe aplicassem alguns açoites. Muitos anos depois, quando assistiu a um concerto em sua homenagem, foi-lhe apresentado o maestro e compositor Joseph Haydn.
— Mas eu já vos conheço. Onde será que vos vi?
— Majestade, a vossa lembrança está relacionada com uns açoites que mandastes aplicar-me.
— Ah, bem! Lembro-me daqueles açoites. Mas era só para impedir-vos de quebrar o pescoço. E podeis ver agora que agi bem.(32:9269)

From: Orloff
Quando viajava incógnito pela França sob o pseudônimo de Conde do Norte, o grão-duque Paulo, que se tornaria depois o czar Paulo I, foi atendido numa hospedaria por uma jovem bela e inteligente. A esposa do grão-duque perguntou à jovem:
— Qual é o teu nome, minha querida?
— Madame, eu me chamo Jeanne, mas as pessoas me conhecem por Javotte (faladeira), porque acham que eu falo muito.
— Ah, então você gosta de conversar! Não quer conversar um pouco conosco?
— Com prazer, se a senhora o deseja.
— Você não é tímida? – perguntou o grão-duque.
— Não tenho acanhamento em relação ao senhor. Sei que sois um grande príncipe, tão rico quanto um rei, mas tendes a aparência de bondoso, e eu não teria em relação ao senhor o medo que tenho dos tenentes do Royal-Lorraine.
— Muito bem, Javotte! Já que você tem de mim essa boa impressão, pergunto-lhe o que posso fazer por você.
— Ora, senhor... Eu não sei...
— Não sabe? Pense em alguma coisa.
Ela se pôs a sorrir com um sorriso encantador, e disse:
— Ah, eu o sei muito bem, mas...
— Você quer que a ajude?
— É bem isso, se puderdes.
— Acho que já estou entendendo. Então responda-me francamente: você está noiva e quer se casar?
A face da jovem enrubesceu, e ela confirmou:
— Isso é bem verdade, senhor.
— Como se chama o seu noivo?
— Bastien Raulé, para vos servir.
— Qual a profissão dele?
— Talhador de pedras, senhor. É um bom emprego, mas bastante cansativo, e o deixa todo empoeirado.
— E por que vocês não se casam?
— Chegastes à grande dificuldade, senhor, pois nos falta o dinheiro. Ele não é rico e eu tenho um salário de dez escudos por ano.
— Então é só por isso que não se casam?
— Apenas por isso, senhor. Até que ele gostaria muito, e eu também.
— Ele é um rapaz bonito?
— Ah, quanto a isso, senhor, eu posso assegurar. Quando ele está bem lavado e bem vestido, é mais belo que qualquer oficial do Royal-Lorraine.
— E quanto lhes falta para poderem casar?
— Muito dinheiro, senhor, mais do que poderíeis dispor neste momento.
— Quanto seria isso?
— Ainda precisamos de... cem escudos, senhor.
Querendo deixar à esposa o prazer da generosidade, o grão-duque lhe fez um sinal, e ela chamou:
— Venha cá, Javotte, e estenda o seu avental.
Tendo a jovem obedecido, ela abriu a bolsa e colocou cem escudos de ouro no avental. A alegria e o espanto foram tão grandes, que ela exclamou:
— Meu Deus! Será que estou sonhando?!
Sem se preocupar com as moedas, que caíram ao chão, ela se ajoelhou e tomou a fímbria do vestido da grã-duquesa, osculando-o com lágrimas nos olhos. No dia seguinte, com o noivo endomingado, ela o apresentou ao casal, manifestando a mais sincera e comovida gratidão.(27:1:148)

From: Montmorency
Conheço alguns fatos sobre os dois séculos que antecederam a Revolução Francesa, e os relatarei à medida que conseguir reencontrá-los nos meus papéis.
***
Depois de tornar-se viúvo, Luís XIV casou-se secretamente, em 1686, com a dama da corte Mme. de Maintenon. Quando criança, embora fosse de família nobre, ela levara uma vida de muitas privações em conseqüência de uma reação armada de membros da nobreza contra o Trono, conhecida como Fronda. Num dia em que se encontrava na antecâmara dos seus aposentos em Versalhes, apresentou-se um homem idoso que a abordou com respeitosa ousadia:
— Eu vi a senhora quarenta anos atrás, e suponho que não seríeis capaz de reconhecer-me. Mas não podeis ter-me esquecido completamente. Certamente vos lembrais de que, quando retornastes das Ilhas, todas as quintas-feiras comparecíeis à porta dos jesuítas de La Rochelle. Eu era encarregado de distribuir a sopa aos pobres, e notei uma criança que viria a ser a senhora, diferente daquela multidão de mendigos. Notei a nobreza da vossa fisionomia, totalmente deslocada naquele meio. Percebi o vosso acanhamento ao receber aquela esmola, e tive compaixão.
— Então foi o senhor que, para poupar-me a vergonha de ser confundida com aqueles miseráveis, levava a sopa aonde eu estava, e ainda me pedia mil perdões por ter de limitar-se a um socorro tão medíocre. O senhor me salvou a vida, dando-me aquele alimento, mas também compadecendo-se de mim por ver-me obrigada a mendigar publicamente.
Em seguida ela lhe deu uma quantia de que dispunha no momento, prometendo renová-la em outras ocasiões.(58:1:338)

Caro amigo, você tinha idéia de que os nobres agiam dessa maneira? Eu não tinha a menor noção disso. Portanto, acho que você também gostará das coisas que ainda tenho a dizer, e talvez até queira colaborar comigo na obtenção de outras.
O bem é difusivo por si mesmo. Era através dessas relações cordiais que os grandes acabavam por conhecer misérias anônimas, porque a miséria torna isolado e desconhecido aquele sobre o qual ela se abate. Freqüentemente, pelas mãos delicadas da esposa e das filhas, era dado aos grandes aliviar tantas dores que de outra maneira teriam ficado sem remédio.(89:247)
Para completar este primeiro dia, vou transcrever dois textos que me foram fornecidos por outro colega.
***
O carinho cheio de dignidade e respeito, que os súditos devotavam à família real, transparecia também no relacionamento entre a nobreza rural e os camponeses. A grandeza dos senhores da terra não humilhava, mas elevava aqueles que trabalhavam no campo. O fato de esses nobres provincianos residirem próximo a seus auxiliares dava ensejo a manifestações recíprocas de solicitude e abnegação. O nobre Talleyrand, que teve papel nefasto na Revolução Francesa, narra nas suas Memórias os anos da infância passados junto à sua avó, Mme. de Chalais:

Mme. de Chalais era uma pessoa muito distinta. Seu espírito, sua linguagem, a nobreza de suas maneiras, o som de sua voz, tinham um grande encanto. Mantinha aquilo que ainda se chamava o espírito de Mortemart (era esse o nome de sua família).
O tempo que passei em Chalais causou-me profunda impressão. O respeito devido à dignidade era a pauta que regrava, nessas províncias distantes da capital, as relações dos antigos grandes senhores, ainda residentes em seus castelos, com a nobreza de uma ordem inferior e com os habitantes de suas terras. A pessoa mais importante da província ter-se-ia por aviltada se não fosse polida e benfazeja. Seus distintos vizinhos considerariam faltar a si mesmos, se não tivessem pelos seus antigos nomes de família uma consideração e um respeito que, expressos com liberdades decentes, não eram senão uma homenagem do coração. Sempre que os camponeses viam seus senhores, era para receber deles socorros e palavras encorajadoras e consoladoras.
Alguns velhos senhores, terminada sua carreira de corte, sentiam prazer em retirar-se para as províncias que tinham contemplado a grandeza de sua família. Aí, de volta aos seus domínios, gozavam de uma autoridade de afeição, aumentada e aureolada pelas tradições da província e pela recordação daquilo que tinham sido seus antepassados. Dessa espécie de consideração jorrava uma certa importância sobre aqueles que mais proximamente se sentiam objeto de seus favores.
Chalais era um dos castelos daquele tempo saudoso e querido. Muitos gentis-homens de velha estirpe formavam aí, para minha avó, uma espécie de corte. Nessa pequena corte os hábitos de deferência se conjugavam com os sentimentos mais elevados. Os senhores de Benac, de Verteuil, de Gourville, d’Absac, de Chauveron, de Chamillart, tinham gosto em acompanhá-la todos os domingos à missa paroquial, desempenhando cada um funções que a alta polidez enobrecia. Bem junto do genuflexório de minha avó ficava a pequena cadeira que me destinavam.
Terminada a missa, todos nos dirigíamos para uma ampla sala do castelo, chamada butique. Muito limpamente, e bem dispostos em pequenas prateleiras, aí estavam os vidros contendo ungüentos diversos, cujas receitas a velha residência conservava desde tempos imemoriais. Todos os anos eram renovados, pela solicitude do boticário e o desvelo do pároco do lugar. Havia também garrafas de elixir, xaropes e caixas contendo outros medicamentos. Os armários guardavam provisão considerável de chumaços, grande número de rolos de ligaduras de dimensões diversas, preparadas com velha roupa branca muito fina.
Na sala que precedia a butique, esperavam reunidos todos os doentes que vinham procurar socorros. Nós passávamos por eles e os saudávamos. Mademoiselle Saunier, a mais antiga camareira de minha avó, fazia-os entrar um após outro. Minha avó os recebia numa poltrona de veludo, tendo diante de si uma mesa negra de velha laca. Por direito, eu me colocava junto à poltrona da princesa.
Duas irmãs de caridade indagavam de cada enfermo suas moléstias ou suas feridas, em seguida diziam quais os ungüentos que podiam curá-los ou aliviá-los. Então minha avó designava o lugar em que eles se encontravam, e um dos gentis-homens que a acompanhara à missa ia buscá-los. Outro trazia a gaveta com as ataduras. Eu pegava um maço, passava-o a minha avó, e ela mesma cortava as bandas e as compressas de que necessitava.
Os doentes levavam para casa ervas para chá, vinho, remédios e alguns outros confortos, dos quais o mais tocante eram as bondosas palavras da boa dama, que os socorria em suas necessidades e se apiedava de seus sofrimentos. Os melhores remédios receitados por médicos de grande fama, ainda que distribuídos também gratuitamente, não conseguiriam reunir tantos indigentes. Sobretudo, não lhes proporcionariam tão grande bem, pois faltar-lhes-iam os eficazes efeitos morais que facilitam a cura do povo: a obsequiosidade, o respeito, a fé e a gratidão.
As lembranças do que vi e ouvi nesses primeiros albores de minha vida são para mim de uma doçura extrema. Repetiam-me cada dia: ‘Desde sempre o vosso nome é objeto de veneração nesta terra’. Outro dizia-me afetuosamente: ‘Nossa família sempre esteve ligada a alguém de vossa casa. A terra que nós temos, foi de vosso avô que a recebemos. Foi ele quem construiu a nossa igreja. A cruz de minha mãe foi presente de Madame. As boas estirpes não degeneram’.
Foi em Chalais, junto de minha avó, que sorvi todos os bons sentimentos... elevação sem orgulho... respeito... ternura sem familiaridade... afeto... porque há uma herança de sentimentos que cresce de geração em geração.(107:8)
Não conhece a doçura de viver, quem não viveu na França antes de 1789.(52:43)

No segundo texto, o conde Luís-Filipe de Ségur descreve o que encontrou quando voltou da Rússia, onde permanecera cinco anos como embaixador. Paris estava em plena efervescência revolucionária, em outubro de 1789. Comparando a situação de então com a que deixara ao partir, escreveu:
Ao rever a sociedade que fizera o encanto da minha juventude, encontrei-a com mais vivacidade, mais animada que outrora. Era difícil deparar com a indolência e o tédio. No entanto, não se via mais aquela doçura de viver, aquela elegância e urbanidade que constituíam a verdadeira escola do bom gosto e da graça. Um grande interesse animava constantemente os salões, mas era sempre a mesma coisa que se discutia. Eu procurava em vão, nas conversas, aquela variedade, aquela jovialidade, aquela tolerância mútua, aquela amável leveza que as tornava antes tão atraentes.(76:194)

Assim, meus caros amigos, podemos apresentar como conclusão deste primeiro dia que os reis e nobres, de modo geral, não eram os monstros que imagina a nossa cabeça impregnada de igualitarismo. Que nobres tenham cometido erros, é assunto indiscutível. E quem não os comete, nobres ou não? Portanto, minha intenção não é inocentar ninguém, pois sei que alguns dos personagens dos fatos citados – e certamente ocorrerá o mesmo em muitos dos que ainda virão – tiveram ação decididamente censurável. Para quem se limita às falácias da História tendenciosa e mal contada, a existência desses maus exemplos é tomada como pretexto para condenar todos os nobres ou para invalidar o que de bom eles fizeram.
A vida no Antigo Regime era muito agradável, num pleno entendimento e harmonia entre as classes de modo geral, contrariando a idéia que se tem hoje, difundida pelos artífices e adoradores da Revolução Francesa. Em meio à abundância de bens materiais, o nosso mundo atual é muito pobre de um bem fundamental que fazia a riqueza e felicidade daquele mundo antigo. Perambula-se hoje de prazer em prazer, mas permanece no fundo da alma a


Nostalgia de um mundo com a doçura de viver

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