NOBREZA NA HISTÓRIA

Bem vindo ao blog NOBREZA NA HISTÓRIA. Contém os cinco primeiros capítulos do meu livro A VOLTA AO MUNDO DA NOBREZA, que narra episódios interessantes descrevendo a atuação da nobreza de vários países ao longo da História. Se você gostar desses cinco capítulos, poderá adquirir o livro nos seguintes sites:
http://www.mundodanobreza.com.br/.
http://www.fatoshistoricos.com.br/.

Leon Beaugeste

domingo, 25 de maio de 2008

00 - ENTREI NUMA ENRASCADA

Sem afastar-me de casa, eu acabara de fazer durante as férias uma deliciosa viagem a um mundo maravilhoso. Nunca fui entusiasta de viagens, que me fazem unir o incômodo dos deslocamentos às muitas surpresas e situações desagradáveis nos locais escolhidos; e até me fazem sentir saudades do meu travesseiro. Ir lá para quê, se estou bem aqui?
Mas aquela foi uma viagem especial, sem nenhum desses inconvenientes. Estavam à minha espera na biblioteca vários livros narrando episódios do passado. De um outro mundo, do qual as pessoas não fazem hoje a menor idéia. Os personagens eram reis, rainhas, nobres e aristocratas; e também muitos plebeus, mas gente cujo caráter não encontra similar nos dias atuais. Cada um procurando superar o outro em requintes de cortesia e amabilidade com este plebeu estrangeiro desajeitado, que deglutira na escola e ao longo da vida os preconceitos de alguns pensadores tendenciosos e políticos invejosos, cujo objetivo na vida parece ter sido denegrir sempre os saudáveis costumes e instituições de outrora, pois sentem-se mais à vontade neste mundo vulgar, decadente e sem honra.
Se os reis e nobres do passado tivessem deixado más recordações na memória dos povos, até hoje a idéia de monarquia teria conotações ruins e seria muito impopular. Mas, como deixaram boas recordações, é o contrário que acontece. De fato, o bom senso popular sempre associa a monarquia com as idéias de beleza e de excelência. Quando algo é muito belo ou é o mais excelente no seu gênero, diz-se que é o rei ou o príncipe daquele gênero: o leão é o rei dos animais, a rosa é a rainha das flores, há o rei do futebol, da voz, do palco. Precisamente por isso é que nomes monárquicos são correntemente usados na propaganda comercial de todos os níveis, desde os prédios de luxo que têm nomes de palácios europeus até os incontáveis reis do pequeno comércio (do caldo-de-cana, dos tapetes, dos parafusos, da tesoura, etc.).(8:191)
Eu voltara das férias, após a minha viagem literária, imbuído desses saudáveis conceitos de excelência, honra, dignidade, nobreza, mas aguardava-me uma colisão frontal. Propositalmente não digo um balde de água fria, pois não consigo esfriar-me em relação ao que eu vira durante a minha viagem. Na primeira aula do semestre, meu professor de História enunciou o tema: a Revolução Francesa. Eu podia facilmente imaginar o que sairia dali, pois a literatura, as escolas, a mídia e as trompas da propaganda não cessam de enaltecer a Revolução Francesa como um marco da liberdade, do progresso e da quebra de preconceitos. Mas eu acabara de regressar da minha viagem ao mundo anterior a essa catástrofe histórica que se convencionou denominar Revolução Francesa, e sabia que as coisas eram bem diferentes da preleção que me esperava. Tive de ouvi-la em silêncio, porém comparando-a com o panorama que a minha viagem exibira aos meus olhos. Transmito o que disse o meu professor:
— Havia apenas dois grupos de pessoas no Antigo Regime: os privilegiados e o povo; este arcava com os impostos e outras obrigações para garantir os privilégios da nobreza e do clero.(17:62) A maioria dos nobres e dos altos representantes da Igreja Católica possuía grandes extensões de terras, que eram trabalhadas pelos camponeses; viviam no campo e gozavam de privilégios como a isenção de impostos e a prestação de serviços por parte dos camponeses. Um outro grupo vivia na corte, estabelecida em torno do rei absolutista: atuavam como conselheiros ou altos funcionários reais, e em troca recebiam vantagens do Estado; passavam grande parte do seu tempo em festas e cerimônias luxuosas. Enfim, nos dois casos tratava-se de um pequeno grupo de privilegiados que dominava a sociedade francesa e vivia do trabalho dos outros grupos.(99:136) Ao contrário da maioria dos franceses, os nobres e o alto clero (bispos, abades) pareciam bastante satisfeitos. Moravam em palácios luxuosos, fartavam-se de boa comida e bebida, levavam uma vida calma e cheia de prazeres. Não trabalhavam nem se preocupavam com a economia. Viviam à custa dos tributos feudais pagos pelos camponeses. Os nobres e a Igreja quase não pagavam impostos. Mas centenas de nobres recebiam gordas pensões do Estado. Ou seja, o povo francês arcava com os impostos para que o rei sustentasse o alto padrão de vida dos nobres da corte.(77:76)
Diversamente da nobreza e do clero, o Terceiro Estado abrigava várias classes sociais, inclusive camponeses e sans-culottes, além da própria burguesia enriquecida. Todos desprezados pela nobreza e pelo alto clero.(17:62) O Terceiro Estado era esmagado pelos impostos que sustentavam o clero e a nobreza, os dois Estados privilegiados da sociedade francesa.(12:84) O camponês e a camponesa carregavam às costas os membros da nobreza e do clero.(99:136) Os trabalhadores rurais viviam oprimidos por todo tipo de obrigações e impostos, e impedidos de obter maiores vantagens em suas atividades.(12:85) Entre os que não tinham interesse em mudanças estava a nobreza, que correspondia a mais ou menos 1,5% da população. O restante da população francesa, que correspondia a mais de 90% do total, era prejudicada pelo regime absolutista. Sustentava a monarquia e a nobreza da corte com os impostos e não tinha o direito de participar das decisões, pois todo o poder se centralizava nas mãos do rei, Luís XVI.(104:73)
Na assembléia dos Estados Gerais, cada um dos três Estados (clero, nobreza e povo) tinha direito a um voto. Assim, apesar de representar mais de noventa por cento da população, o Terceiro Estado possuía apenas um voto.(99:139) A nobreza, ao invés de se abrir e de se modernizar em direção ao capitalismo, como na Inglaterra, cristalizou-se, fechou-se, encastelou-se, cortando qualquer possibilidade de composição com a burguesia ascendente.(16:127) A radicalização das posições da nobreza do Antigo Regime, procurando reforçar seu poder durante a crise econômica da segunda metade do século XVIII, foi uma das causas imediatas da Revolução de 1789.(16:128) Aos aristocratas não importava a questão nacional. Essencial para a aristocracia francesa eram suas relações com outras casas da nobreza européia, a que se ligava através de políticas de casamento. O “partido nacional” era muito indefinido, não correspondendo à noção moderna de partido.(16:136)
A miséria e a fome tomavam conta da população enquanto a nobreza, que contava com cerca de quatrocentos mil privilegiados, se negava a admitir qualquer mudança.(20:182) Os sans-culottes se perguntavam: por que viver na penúria, enquanto os nobres levam uma vida tão rica?(77:76) A massa popular foi à rua sobretudo porque estava pressionada pela fome.16:126 Os franceses, pressionados pela fome, colocaram por terra séculos de opressão e exploração aristocrática.(66:14) A Revolução Francesa pôs fim a dezoito séculos de opressão.(41:83) Pôs abaixo a aristocracia que vivia dos privilégios feudais, destruindo a base social que sustentava o Estado absolutista encarnado na figura de Luís XVI. Mobilizou as massas populares urbanas esfomeadas, a pequena burguesia radical, os pequenos produtores independentes, e sobretudo os camponeses ainda imersos na servidão.(16:122)

Ouvi tudo isso constrangido, mas em respeitoso silêncio. Ponha-se agora no meu lugar, e imagine quanto me indignavam as afirmações do professor, pois a minha viagem me havia mostrado um mundo muito diferente, onde eu encontrara lealdade, harmonia, honestidade, em flagrante contradição com opressão, exploração e injustiça a que se referia o professor. Se eu não tinha autoridade para contestar tudo aquilo, pelo menos sentia-me encorajado a lançar algumas dúvidas, com as quais forçaria tanto o professor quanto os meus colegas a questionar o que a gigantesca propaganda revolucionária vem sustentando há mais de dois séculos. Levantei-me e pedi permissão para uma pergunta:
— Professor, as afirmações que o senhor acaba de fazer sobre a nobreza mostram um quadro deprimente e revoltante. Se tudo isso é verdade, de fato nós temos que odiar esse passado de opressão e dar graças a Deus por terem os revolucionários demolido essa estrutura iníqua. Mas não consigo conciliar esse quadro com uma realidade muito profunda que se encontra na nossa língua. Quando alguém se refere a nobre, nobreza, nobilitar, nobilitante, o conceito é altamente elogioso. Quando digo que alguém praticou uma ação nobre, ou agiu com nobreza, estou fazendo um elogio. Quando se afirma que o ouro é um metal nobre, nem mesmo um insensato irá entender que seja desprezível, vulgar ou sem valor. Se os nobres agiam como o senhor descreveu, a população se colocaria em estado de constante revolta, e teria permanecido na linguagem corrente esse conceito negativo, não o conceito enaltecedor que hoje existe. A memória popular conservou, apesar da propaganda em contrário, gratas recordações dos tempos monárquicos.(8:14) A figura do rei, tal como permaneceu na memória dos povos, evoca sentimentos dos mais nobres e elevados.(8:118) Existe portanto, na memória dos povos, uma imagem muito boa da nobreza. O senhor poderia explicar-me o motivo dessa contradição?

A reação do professor foi de total surpresa. Depois de vacilar um pouco, como um náufrago à procura de uma tábua de salvação, ele resolveu transferir as responsabilidades:
— Meu caro Leon Beaugeste, o seu questionamento me parece baseado em coisas imponderáveis, difíceis de avaliar. O que eu disse é o que se pode encontrar em livros de História, e quem escreve a História deve saber o que está afirmando. Essa tal memória dos povos, que eu até agora desconhecia, parece coisa de filósofo, com a qual ou sem a qual o mundo caminha tal e qual.
— Mas existe de fato uma estratificação das experiências milenares da humanidade, que se transmite quase sem variações de uma geração para outra. E é sempre bom pedir aos termos da língua os ensinamentos que eles possam dar, quando se trata de analisar os fatos e os costumes ao longo da História. Uma instituição explica-se às vezes pela palavra que a designa.89:306 Além do que eu já falei sobre nobre, nobreza, etc., outros elementos do mundo antigo têm conotações boas, que todas as pessoas entendem do mesmo modo. Por exemplo: cavalheiro, fidalguia, cortesia, cruzada, cristão. Quando eu digo que a ação de uma pessoa não foi cristã, qualquer um entende que se trata de uma ação má; ignóbil é o contrário de nobre; vilão era quem morava na vila, fora do castelo da nobreza, e o conceito se opõe também ao de nobre; lacaio era simplesmente um servidor que acompanhava o seu senhor em viagens, mas hoje adquiriu o sentido de sabujo, bajulador; bastardo é o filho ilegítimo, e a conotação é sempre negativa; o carrasco exercia uma profissão como qualquer outra, mas a palavra tem na língua atual um sentido pejorativo; bárbaro era simplesmente quem estava fora do mundo romano e a ele opunha resistência armada; mas, se eu digo que alguém agiu como bárbaro, significa que praticou violências inomináveis, semelhantes às que os bárbaros faziam; larápio vem de Lucius Antonius Rufus Apius, um desonesto cobrador de impostos da Roma antiga, que assinava L.A.R.Apius. E ainda muitas outras palavras se aplicavam a certas pessoas, coisas, profissões ou atitudes, mas ficaram associadas ao comportamento negativo que tiveram: impostor, agiota, judas, calabar, víbora. No lado oposto, o senhor pode notar que até os deputados fazem questão de se tratar como nobre deputado.

Talvez eu tenha me excedido um pouco, pois nesse momento os meus colegas caíram na gargalhada. Perfeita manifestação da memória coletiva. A essas alturas o professor oscilava como barata tonta, e depois de cessada a gargalhada geral ele fincou pé no argumento de autoridade:
— Muito interessante tudo o que você explicou, Beaugeste. Mas o fato concreto é que os livros afirmam o que eu disse. O que você sustenta são apenas hipóteses etéreas, baseadas num conceito também etéreo, que é impossível dimensionar. O que eu conheço sobre nobres e nobreza é o que afirmei, sempre baseado nos livros, e os livros se baseiam em fatos. Se você tem fatos para comprovar que a nobreza era boa e praticava atos meritórios, nada melhor do que trazê-los aqui para serem analisados por nós. Vou até combinar uma coisa com você. Daqui a três meses haverá as provas finais, e você terá de apresentar o seu Trabalho de Conclusão de Curso. O tema do seu vai ser este: Fatos que falam a favor da nobreza. Até o fim do ano você cuidará de providenciar esses fatos. Se eles comprovarem o que você disse, sua nota será máxima. Aliás, acho que a memória coletiva aqui na sala conhece muito bem o significado de nota máxima. Caso contrário, ou você responderá direitinho às questões que eu apresentar, ou sua nota será mínima, e a memória coletiva sabe bem o que isso significa.

E foi assim que eu entrei numa enrascada. Nos dias que já se passaram, o que consegui foram alguns fatos muito bonitos, encontrados durante a minha viagem literária ao passado. Alguns colegas prestimosos resolveram colaborar comigo, e já me apresentaram alguns fatos ou textos muito bons. No conjunto, são bastante significativos, mas decididamente insuficientes. Apelar para os livros, seria um trabalho insano. Além disso eu nem disponho mais dos 90 dias, e ainda tenho de dar conta das outras matérias. Aí um colega se lembrou de que a Internet é “onisciente”, e provavelmente encontraremos nela o que queremos. Poderíamos fazer pesquisas com os recursos habituais de palavras-chave, etc. Mas surgiria outro problema, que é o volume enorme de informações. Eu teria de ler todas elas e peneirar, até conseguir o que me interessa. Fiquei com o receio de não terminar o trabalho dentro do prazo. Conversa vai, conversa vem, acabou aparecendo uma boa idéia de um colega:
— Da mesma forma que nós estamos ajudando você a encontrar os fatos que interessam, certamente muitos dos usuários da Internet conhecem outros fatos. Se você conseguir encontrar essas pessoas, sem dúvida elas se disporão a ajudá-lo. E essas pessoas podem ser encontradas através de um blog.

Foi isso que me levou, caro internauta, a criar este blog à procura de amigos voluntários que se disponham a ajudar-me. Vou começar incluindo amanhã alguns fatos e textos que já temos, e serão suficientes para lhe dar uma idéia aproximada do que preciso encontrar. Por favor, ajude-me a sair dessa enrascada. Sem dúvida, este será um gesto nobre.

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