NOBREZA NA HISTÓRIA

Bem vindo ao blog NOBREZA NA HISTÓRIA. Contém os cinco primeiros capítulos do meu livro A VOLTA AO MUNDO DA NOBREZA, que narra episódios interessantes descrevendo a atuação da nobreza de vários países ao longo da História. Se você gostar desses cinco capítulos, poderá adquirir o livro nos seguintes sites:
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Leon Beaugeste

segunda-feira, 26 de maio de 2008

05 - A ALMA NOBRE TEM A VIRTUDE DA MAGNANIMIDADE

Caros amigos, quero pedir-lhes desculpas por não ter identificado ontem os colaboradores que forneceram alguns dos fatos e textos citados. Foram os seguintes: Richelieu, Valdeiglesias, Chesterfield, Escovedo, Egmont, Orloff, Falkenstein, Joinville. Esses ótimos textos permitiram-nos fazer uma incursão em terreno específico da nobreza, que consiste em tratar os inferiores de modo elevado e digno, sem no entanto rebaixar-se. Dar ao serviçal mais do que lhe é devido, recompensar generosamente um benefício recebido, dar mais do que nos foi pedido, perdoar – são atitudes que podem ser encontradas até em pessoas de condição muito humilde, embora naturalmente sejam esperadas em maior número de quem tem abundância de meios para isso. Entre os nobres isso era o habitual, conforme veremos ainda nos exemplos que já recebi, e que selecionei para hoje.

From: Schwartzenberg
Embora considerado excessivamente econômico, o rei Frederico II sabia reconhecer as necessidades dos seus servidores e recompensá-los pelos seus méritos. Um cabo da sua guarda não tinha relógio, mas usava uma corrente de ouro bem visível, em cuja extremidade colocara em vez de relógio uma bala de fuzil, e a mantinha dentro do bolso. Informado disso, ou presumindo-o, o soberano abordou o cabo:
— O senhor deve ser bastante econômico, para ter podido comprar um relógio. O meu marca seis horas. E o seu?
Mostrando o “relógio”, o guarda respondeu:
— Senhor, o meu não marca nem cinco nem seis, mas recorda-me a cada instante que devo lutar pelo meu rei.
— Bem, amigo. Então fique com o meu relógio, e assim poderá saber a hora em que morrerá por mim.(109:2828)
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O geômetra Maupertuis acompanhou Frederico II na batalha de Molwitz contra o imperador austríaco. Foi preso pelos hussardos, despojado dos bens que tinha consigo e enviado prisioneiro a Viena. Conhecendo sua fama, o imperador quis vê-lo, e durante a conversa perguntou:
— Dentre os bens que os meus hussardos lhe tomaram, havia algum que fosse especialmente caro?
— Majestade, os bens não eram valiosos, mas um relógio da marca Greham me era muito útil para minhas observações astronômicas.
O imperador possuía um relógio dessa marca, porém adornado com diamantes. Mandou buscá-lo e o entregou a Maupertuis, dizendo:
— Os hussardos quiseram fazer-vos um agrado, e me entregaram o relógio para que fosse devolvido. Aqui está ele.(58:3:381)

From: Joinville
Estou aqui de novo, para ressaltar que uma das características da magnanimidade é dar em abundância, às vezes mais do que se pede. Eis um exemplo.
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Num ano em que faltava vinho para os doentes pobres do hospital de Paris, o diretor procurou S. Luís IX a fim de conseguir a verba, declarando que bastariam cem libras. O rei chamou o tesoureiro e mandou dar-lhe mil libras. O diretor objetou que talvez ele houvesse entendido mal, mas o rei repetiu:
— Dai aos pobres do hospital de Paris mil libras.(78:187)

From: Saint Simon
Beaugeste, andei estudando a corte de Versalhes, e pretendo fornecer-lhe alguns dados sobre a vida de Luís XIV e Luís XV, principalmente. Envio hoje os primeiros, e aos poucos irei acrescentando outros.
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O célebre arlequim Dominique, durante um almoço de Luís XIV, olhava com muita atenção um assado de perdiz. Percebendo-o, o rei disse a um servo:
— Ofereça aquele prato a Dominique.
O arlequim entendeu que se tratava do recipiente, que de fato era o objeto da sua admiração, e perguntou espantado:
— Como, Senhor?! Também a perdiz?
Como o prato era de ouro maciço, com essa pergunta o arlequim ganhou o assado e o prato de ouro.(1:609)
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Em 1783, Montgolfier se preparava para o vôo experimental do seu balão, e pretendia colocar animais na naveta. O artesão que com ele trabalhava insistia em fazer pessoalmente essa viagem, mas Montgolfier a julgava arriscada demais, e não queria expor a tal perigo uma vida humana. Afinal o vôo se fez com segurança e o balão pousou a poucos quilômetros de Versalhes. Luís XVI quis que os três animais permanecessem no parque do palácio até a morte. Madame de Lamballe, dama da corte, percebeu então que havia um homem chorando, e foi perguntar-lhe o motivo.
— Senhora, bem que eu tinha razão. Agora esses três animais vão ter tudo do bom e do melhor; e eu, o pobre artífice que construiu esse balão, não receberei nenhuma recompensa.
Impressionada, Madame de Lamballe entregou-lhe algumas moedas de ouro.(1:148)
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O filho de Luís XV, pai do futuro Luís XVI, matou acidentalmente durante uma caçada o seu escudeiro. Empenhou-se em assegurar a situação financeira da viúva e filhos. A viúva estava grávida, e quando nasceu esse filho póstumo, ele decidiu também sustentá-lo. Alguém o advertiu:
— Isso não é costume, senhor.
— Também não é costume um escudeiro do delfim morrer pelas mãos do seu senhor.(27:2:447)

From: Montmorency
Beaugeste, uma das constantes preocupações e atenções dos reis e nobres era com o bem estar dos seus súditos e servidores. Dou-lhe alguns exemplos.
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Entrando numa igreja para rezar, Luís XI encontrou na entrada um sacerdote, que lhe expôs a sua situação:
— Já estive no cárcere por causa de dívidas, e agora querem prender-me novamente pelo mesmo motivo. Não tenho como pagar, e vos peço que tenhais piedade de mim.
— O senhor escolheu bem a hora adequada para o pedido. Como poderei deixar de atender, se estou entrando aqui para pedir a Deus que tenha piedade de mim? Darei o dinheiro de que precisais.(32:8583)
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Um funcionário do palácio de Francisco I reclamava:
— Corro o risco de morrer pobre, pois há muito o rei não me faz nenhum benefício.
Sabendo do comentário, o rei francês mandou chamá-lo:
— Soube que andou reclamando de mim, mas acho que lhe falta é sorte. Vamos ver: aqui estão duas bolsas cheias, uma de ouro e outra de chumbo. Escolha uma das duas.
E a bolsa escolhida era a de chumbo.
— Viu como eu tinha razão? Mas, para consolá-lo, dou-lhe também a outra bolsa.(33:2631)
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Um oficial perdeu numa batalha dois magníficos cavalos, e não conseguia substituí-los devido à sua situação financeira. O marechal de Turenne chamou-o e deu-lhe de presente dois cavalos, mas advertiu:
— Peço-lhe não contar isso a ninguém. Se outros ficarem sabendo, muitos virão pedir-me que lhes faça o mesmo, e não terei condições para atendê-los.(32:14403)

Mais alguns exemplos confirmam esse desprendimento dos nobres em relação aos súditos. Foram fornecidos por Kaunitz e Escovedo.
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Um oficial pobre pediu ao imperador José II um subsídio que lhe possibilitasse manter a família, e foi-lhe prometido:
— Só disponho de vinte moedas de ouro. Elas lhe bastam?
Um cortesão ali presente, sem ser a isso convidado, avaliou:
— É demais, senhor! Basta a metade disso.
— Bem... E o senhor tem aí a quantia de que falou?
O cortesão mostrou-a ao imperador, que se dirigiu então ao oficial:
— Agradeça ao amigo aqui presente, que se dispôs generosamente a acrescentar dez moedas às minhas vinte.(32:6522)
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O rei Carlos II da Espanha tinha dezesseis anos. Na Sexta-feira Santa, quando percorria a Via-sacra, deu a um pobre uma cruz de brilhantes que usava. Pouco depois os membros do séquito perceberam a falta da cruz e apregoaram que havia sido roubada. Logo o pobre se apressou a mostrá-la, e disse:
— Aqui está a cruz. Foi Sua Majestade quem me deu.
O rei confirmou as palavras do pobre. Como se tratava de uma das jóias da coroa, não podia ser alienada, mas o Conselho decidiu manter a esmola feita pelo rei e dar ao pobre o valor da cruz em dinheiro.(109:583)
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Um mercador português pretendia vender ao rei Filipe IV um diamante de grande beleza, mas este não se entusiasmou, apesar dos comentários embevecidos dos cortesãos. O rei perguntou:
— Quanto o senhor pagou pelo diamante?
— Setenta mil ducados, senhor.
— Mas em que o senhor pensava, quando pagou tanto?!
— Senhor, eu pensava que há no mundo um rei Filipe IV...
Em atenção à agudeza de espírito, o rei acabou comprando o diamante.(32:5394)

From: Valdeiglesias
Tenho aqui dois exemplos de como o Gran Capitán Gonzalo de Córdoba recompensava com liberalidade os seus soldados.
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Depois das suas retumbantes vitórias na Itália, Gonzalo de Córdoba se pôs a distribuir livremente entre os seus comandados as cidades, fortalezas, terras e títulos de nobreza. Embora satisfeito com as vitórias, o rei Fernando reclamou:
— Gonzalo conquistou para mim um reino, mas reparte-o antes que me chegue às mãos?(109:594)
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Em 1512, quando foi ordenado ao espanhol Gonzalo de Córdoba que licenciasse o seu exército da Itália, ele dissimulou cuidadosamente a revolta que isso lhe provocava, e mandou que se distribuísse a todos os seus comandados uma grande soma em dinheiro. Alguém lhe censurou essa prodigalidade, e ele explicou:
— Não se deve fechar nunca a mão. Não existe modo melhor para usufruir os bens do que dando-os.(110:278)

Pode-se encontrar magnanimidade até na guerra, apesar de ser a vitória contra o inimigo o que nela se deseja. Este assunto de guerra foi detidamente estudado pelo amigo Clausewitz, que colabora a partir de hoje dentro da sua especialidade, e nos forneceu os fatos seguintes.
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As tropas alemãs, em retirada após uma derrota, faziam massacres e crueldades contra todos os franceses que encontravam, tanto militares quanto civis. As tropas do general francês Favert encontraram um grupo de soldados alemães feridos que tinham sido abandonados à própria sorte. Um oficial francês propôs que fossem vingadas nesses feridos alemães as atrocidades de que eles próprios eram vítimas, mas Favert discordou peremptoriamente:
— O vosso conselho corresponde ao de bárbaros como os nossos inimigos. Vinguemo-nos de maneira mais nobre, digna de nossa nação civilizada.
E deu ordem a que os soldados franceses cuidassem dos feridos, dando-lhes ainda a alimentação de que pudessem dispor. Os feridos que se curaram passaram quase todos ao exército de Favert, pois não queriam retornar ao meio de quem os havia abandonado e sacrificado.(32:5008)
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O rei Afonso V de Aragão havia sitiado Gaeta, defendida pelo exército de Francisco Spínola. Quando este considerou inadiável a rendição, mandou que saíssem da cidade todas as pessoas não combatentes. Afonso V teve a generosidade de acolhê-las no acampamento e socorrê-las com todo o necessário. Alguns do exército murmuraram, e ele lhes disse:
— Não vim aqui lutar contra mulheres e crianças, e sim contra pessoas capazes de defender-se. Prefiro não ganhar a batalha a provocar a morte de tantos inocentes.(109:2222)
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As tropas do imperador Conrado III sitiaram Weinsberg, e estava próxima a rendição. Algumas mulheres compareceram ante o imperador e pediram permissão para todas as mulheres abandonarem a cidade levando consigo o que pudessem carregar. Concedida a permissão, pouco depois as mulheres apareceram carregando nas costas os maridos, filhos e irmãos. O imperador se emocionou e perdoou toda a população.(1:166)

From: Contrappunto
Beaugeste, sou novo na sua turma, e acho que posso contribuir com fatos de um gênero um tanto diferente. Não são contrários ao seu objetivo, mas mostram outros aspectos da realidade, que oferecem um contraste com os exemplos bonitos e até comoventes que você vem colecionando. Veja os dois que vou narrar, e entenderá o que pretendo mostrar.
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O riquíssimo conde de Romanones nunca levava dinheiro consigo. Viajando certa vez de trem para uma campanha eleitoral, foi recebido em várias estações por bandas de música. Chamou o redator de um diário, que o acompanhava, e disse:
— Encarregue-se de dar a esses músicos uma gratificação.
Ao fazer o acerto de contas em Madri, o conde achou exorbitante a quantia que o redator havia pago aos músicos. Chamou-o, e disse:
— Vamos ver, homem de Deus, como é que o senhor explica essas contas.
— Senhor conde, eu entreguei a cada músico tal quantia.
— O senhor quer dizer que entregou essa quantia a cada banda de música, não é?
— Não, senhor, a cada músico. Porque não era eu quem a estava dando, e sim o conde de Romanones, um dos homens mais ricos da Espanha.
— E o senhor acredita que o conde estaria hoje tão rico como dizem, se saísse por aí dando gratificações como essa?(109:1232)
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O neto do duque de Buckingham era muito econômico, e explicou a um amigo:
— Tenho verdadeiro pavor de morrer pobre como um rato de igreja.
— Mas eu tenho medo é de que o senhor viva do modo como receia morrer.(32:2010)

A magnanimidade pode ser também praticada por plebeus. Pode haver mérito sem elevação, mas não há elevação sem algum mérito.64:400 Veja este fato enviado pelo Kaunitz.
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O rico comerciante Jean Daens fez ao imperador Carlos V um vultoso empréstimo. Após um banquete que ofereceu ao monarca, mandou acender o fogo na lareira, queimou nele o recibo que lhe fora dado em garantia do empréstimo, e disse:
— Senhor, depois de ter-me dado a honra de participar da minha mesa, vossa dívida não existe mais.(109:1516)

Caros amigos, acho que hoje caminhamos bastante. Além de conseguir novos colaboradores, os fatos estão formando um conjunto bem adequado à realidade que eu imaginava, mas não conseguia comprovar. Pelo que vimos, pode-se constatar que a felicidade é um bem que se multiplica ao ser dividido.(13) Vamos continuar pesquisando, e já estou certo de que poderei apresentar ao meu professor um quadro surpreendente. Será que ele sabia, por exemplo, que predominavam entre os nobres exemplos de virtudes como a magnanimidade? Os fatos de hoje estão de acordo com o que eu disse a ele, e comprovam que


A alma nobre tem a virtude da magnanimidade

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04 - AS RELAÇÕES DOS NOBRES COM O POVO ERAM CORDIAIS E DE AJUDA MÚTUA

Prezados amigos, a idéia que geralmente se tem é que os nobres se isolavam, não se misturavam com gente de baixa condição, e só se interessavam pelos imensos privilégios que desfrutavam. No entanto, basta examinar a vida dos autênticos fazendeiros e as relações com seus colonos, nos antigos tempos do Brasil, para se concluir que as coisas não eram assim, pois o sistema de vida que levavam era baseado no da Europa. Os nobres eram, na maioria dos casos, grandes proprietários de terras que as administravam pessoalmente. Só se afastavam durante algum tempo, para participar de guerras ou para trabalhos específicos na corte. Isto é afirmado por grandes estudiosos do assunto, como nos textos seguintes enviados por um colega.
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Pela ordem natural das coisas, é próprio à nobreza formar com o povo um todo orgânico, como cabeça e corpo. E é característico da nobreza uma tendência a evitar uma diferenciação vital, procurando integrar-se no grande conjunto social.(89:142) Os fatos pequenos e grandes estão em flagrante contradição com o que ensinam os manuais de História, isto é, que os poderosos do Antigo Regime, os nobres e os senhores, mostravam-se sempre soberbos, arrogantes, pretensiosos e vaidosos; duros para com os humildes curvados sob o peso dos trabalhos da gleba e submetidos aos caprichos desses senhores impiedosos.(41:51)
As relações de trabalho, pelo simples efeito da caridade cristã, tendiam sempre a extravasar do mero âmbito profissional para o âmbito pessoal. Nas longas convivências de trabalho, os nobres inspiravam e orientavam os que lhes estavam abaixo, e a seu modo o mesmo faziam estes em relação aos nobres: informavam suas aspirações e diversões, seu modo de ser na Igreja, na corporação ou no lar, e também as circunstâncias concretas da vida popular e as necessidades dos desvalidos. Tudo isto constituía um circuito de inter-relações entre maior e menor.(89:246)
Nos países dotados de uma reta aristocracia, tanto quanto possível as relações eram pessoais. A influência do maior sobre o menor, como a do menor sobre o maior, exercia-se em razão de uma relação de afeto cristão estabelecida de parte a parte. Afeto que trazia consigo, como efeito, a dedicação e a confiança mútuas. E que resultava até numa sociedade de fato, dos domésticos com os patrões. Algo como um protoplasma formado em torno do núcleo. Basta ler o que dizem os verdadeiros moralistas católicos sobre a sociedade heril, para ter uma noção exata desse tipo de relação.(89:247)
A nobreza francesa deveu sua grandeza àquilo que fez a grandeza das aristocracias antigas: o devotamento das classes dirigentes às classes dirigidas, a vinculação das classes dirigidas às classes dirigentes, a união dos esforços para o maior bem de todos.(50:77)
Antes da Revolução Francesa, os camponeses, os nobres e os burgueses conviviam em perfeita camaradagem, e a divisão entre as classes da sociedade era muito menos marcante do que hoje. A ternura do povo em relação aos seus senhores era acrescida de uma confiança recíproca, que se manifestava de ambas as partes em todas as ocasiões. Os soberanos não receavam misturar-se com o povo; pelo contrário, procuravam-no sempre, certos de encontrá-lo sempre respeitoso e acolhedor.(41:83)

Esse relacionamento amistoso era generalizado, como afirmam historiadores e sociólogos idôneos. Alguns fatos que me foram fornecidos sobre a França não deixam margem a dúvida.
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Numa conversa com seu senhor, um colono francês dizia:
— No mês passado completaram-se trezentos e quarenta e sete anos desde que estamos convosco.
O senhor respondeu:
— Nós estávamos aqui bem antes disso. Não sei ao certo quanto tempo, mas são mais de seiscentos anos.(50:108)
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A afabilidade generalizada entre nobres e plebeus, antes da Revolução, se reflete bem no episódio de três estudantes de Nancy. Em maio de 1787, tendo ido a pé da Lorena a Paris, eles não tinham na grande cidade nenhum conhecido, mas entraram com facilidade nos palácios dos príncipes. No palácio do conde de Artois, em Bagatelle, foram introduzidos até no próprio quarto de dormir. No palácio Bourbon, onde morava o príncipe de Condé, após terem percorrido todas as galerias, o zelador que os acompanhava comunicou-lhes que, caso quisessem visitar os apartamentos particulares, deveriam escrever ao príncipe pedindo autorização. Não se fizeram de rogados, e assim procedendo obtiveram um bilhete do príncipe concedendo-lhes a autorização solicitada. Em Chantilly, passearam por toda parte. Quando estavam a ponto de deixar esse local de delícias, um oficial de Sua Alteza sugeriu-lhes que aproveitassem uma das carruagens do príncipe, que estava saindo naquele instante para Paris. E os três turistas voltaram em companhia de duas damas da corte, numa carruagem com as armas do príncipe de Condé.(41:48)
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Os nobres, mesmo os de mais alta estirpe, participavam das festas de casamento dos camponeses e outros súditos.(37:2:108) O duque de Croy assistiu à festa de casamento do príncipe de Condé com Charlotte de Rohan-Soubise; e relatou que, depois de terem dançado durante toda a noite, resolveram dar um passeio matinal pelos arredores. Cerca de quinze jovens nobres, inclusive os recém-casados, foram até Vanves, e lá encontraram um cortejo que se dirigia à igreja para as núpcias de um casal de jovens do local. Todos se incorporaram ao grupo, assistiram ao casamento na igreja, e depois foram participar da festa na casa da noiva, como todos os demais convidados.(41:83)
***
Chegou ao conhecimento do duque de Montausier que um surto de peste atingira a cidade de Rouen, da qual era governador. Ele decidiu partir imediatamente para lá, e quando começaram a surgir os conselhos em sentido contrário, inclusive da própria esposa, argumentou:
— A meu ver, a obrigação dos governadores de residir junto ao seu povo é tão premente quanto a dos bispos. Mesmo que ela não seja estrita em qualquer circunstância, pelo menos o é por ocasião de calamidades públicas.
Em seguida viajou para Rouen e cerrou as portas da cidade, tomando todas as providências para deter e evitar a propagação da peste, que foi cedendo e se extinguiu ao fim de dois meses.(58:2:8)
***
Quando velho e retirado em São Graciano, o marechal Catinat visitava as casas das pessoas humildes. Com freqüência abria os armários à procura de pão. Não encontrando, perguntava:
— Não tendes pão?
Se a resposta era negativa, dizia ao seu servidor:
— Vicente, vai comprar pão para eles.
Como não era rico, ele o fazia à custa de cortes nas próprias despesas. Quando morreu, os camponeses e operários lamentavam:
— Como faremos agora, sem o nosso bom pai? Ele muitas vezes se resignava a comer o pão velho, para que pudéssemos ter pão de boa qualidade.(32:2720)
***
Durante a Revolução Francesa, cantava-se muito uma canção que dizia: “Quando tínhamos um só rei, não havia miséria; agora, com mil e duzentos reis (os deputados da Assembléia), há falta de tudo nesta terra”. Era a paródia de uma canção composta por Madame Thévenet, do séquito da irmã do rei Luís XVI, Madame Elisabeth. A origem da canção é a seguinte. Para fornecer leite no castelo de sua propriedade, Mme. Elisabeth havia encomendado da Suíça quatro excelentes novilhas, que foram acompanhadas pela jovem Maria a fim de cuidar delas. Porém Maria havia deixado na Suíça o seu noivo Jacques, por isso vivia calada e triste. Tomando conhecimento desse motivo, Mme. Thévenet compôs a canção “Jacques, quando eu estava junto de ti”. Ensinou-a à moça, que se pôs a cantá-la com freqüência. Ouvindo-a, Mme. Elisabeth se informou e descobriu que a canção narrava a realidade pessoal de Maria, e mandou trazer da Suíça também o noivo.(27:1:166)

O mesmo acontecia em outros países. Vejamos alguns exemplos.
***
O imperador Carlos V passeava com trajes comuns em Viena e viu um camponês carregando um leitãozinho, que grunhia a plenos pulmões. Interpelou-o:
— Então não sabes como se faz para silenciar um leitão?
— Não, senhor, e agradeceria se pudesse ensinar-me.
— Deves segurar o leitão pelas patas traseiras e mantê-lo de cabeça para baixo.
Feito como lhe foi ensinado, o leitão parou de grunhir, como por encanto. E o camponês agradeceu ao desconhecido:
— Vejo que o senhor trabalhou nisso mais do que eu.(32:2425)
***
Passeando pelo campo, lord Abigdon encontrou um camponês que a muito custo segurava um bezerro pelos chifres com as duas mãos. Aproximou-se e perguntou:
— O senhor me reconhece?
— Sim senhor, lord Abigdon.
— E não lhe parece que já devia ter tirado o chapéu?
— É isso o que eu gostaria de fazer, milord, e o farei se o senhor tiver a bondade de segurar para mim este bezerro, que já me escapou três vezes.(1:200)
***
Um potentado argentino burguês visitou na Espanha o duque de Veragua, descendente de Cristóvão Colombo. Encontrou-o em sua fazenda, conversando tranqüilamente com seus camponeses. Quando estiveram a sós, manifestou-lhe:
— Confesso que me surpreende ver o senhor conversar diretamente com seus criados.
— Por quê?! Será que vocês da América inventaram algum aparelho para isso?(109:2246)
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O rei belga Alberto I se interessava muito pelas dificuldades dos operários. Com freqüência visitava oficinas e fábricas, conversava com os chefes de serviço e procurava informar-se sobre seus problemas. A um francês que fora procurá-lo, advertiu:
— Devem ter dito ao senhor que sou um rei comunista.
Diante dos protestos do francês, ele acrescentou:
— Dizem por aí que sou um rei esquerdista, mas não sou nem de esquerda nem de direita. Tenho, sim, muito empenho em defender meus operários belgas contra os capitalistas internacionais.(32:81)

Era tão cordial e amigável o contato dos nobres com os seus servidores, que freqüentemente se valiam da experiência destes para aprimorar as suas atividades.
***
A imperatriz Catarina II afirmou:
— Aprende-se mais numa conversa com trabalhadores ignorantes, sobre aquilo que eles fazem, do que com esses que se consideram sábios mas não vão além de teorias, e que não se envergonham de responder com afirmações ridículas sobre coisas das quais não têm nenhum conhecimento positivo.(76:164)
***
Frederico II resolveu cultivar um terreno de acordo com as Geórgicas de Virgílio, com o livro a tiracolo. O camponês que o acompanhava estranhou o modo como ele semeava, podava, revolvia a terra, etc. Ele explicou:
— É assim que está escrito aqui no livro.
— Quer dizer que o livro foi escrito por uma besta.
Narrando depois o episódio, ele acrescentava:
— Virgílio era um grande poeta, mas um péssimo agricultor.(32:5183)

Com essa mentalidade e esses costumes, a ajuda mútua era corriqueira e levada com muito empenho por ambas as partes. Nenhuma sociedade pode subsistir sem a assistência mútua, sem o socorro dos grandes aos pequenos e os serviços dos pequenos aos grandes. E é incontestável que, para a eficácia da assistência mútua, para que ela possa fazer reinar a paz e a prosperidade na sociedade, não deve ser ocasional, mas constante, e para ser constante ela deve ser organizada socialmente.(50:60)
***
O rei Luís XV foi passar em revista suas tropas, perfiladas numa planície em que um lavrador havia recentemente plantado trigo. O lavrador foi também ver a cena, e encontrou sua plantação destroçada pelos soldados. Achou que lhe era devida uma indenização, mas decidiu usar para isso um artifício. Começou logo a gritar:
— Milagre! Milagre!
Um oficial o interpelou:
— O que você quer dizer com isso, homem?
O lavrador continuou gritando:
— Milagre! Milagre!
Chegando o fato ao conhecimento do rei, este mandou comparecer à sua presença o lavrador, e lhe perguntou o motivo dos seus gritos.
— Um milagre, Senhor. Eu havia semeado trigo nesta terra, e o que nasceu foram soldados suíços.
O rei gostou da iniciativa do lavrador e mandou indenizá-lo.(109:315)
***
A autoridade dos nobres russos sobre os camponeses era ilimitada, mas de modo geral exercida com muita moderação. Isso gerava uma grande fidelidade aos senhores, que se demonstrava das maneiras mais imprevistas. O conde Schouwaloff se endividara, e para pagar a dívida decidira vender uma de suas propriedades. Uma manhã ele acordou com grande vozerio provocado por uma multidão reunida no pátio do castelo. Levantou-se e perguntou do que se tratava. Um representante explicou:
— Ficamos sabendo que precisais vender esta vossa propriedade, para acertar vossos negócios. Mas nós estamos tranqüilos e contentes sob a vossa autoridade, e não queremos perder um senhor tão bom. Por isso nos quotizamos para trazer-vos o dinheiro de que precisais, e vos pedimos que o aceiteis.(76:149)
***
Enquanto esteve prisioneira na Conciergerie, antes de ser guilhotinada, Maria Antonieta manifestou a Mme. Richard, mulher do carcereiro, que muito lhe agradaria comer um melão. Ela foi ao mercado e pediu a uma vendedora sua amiga:
— Estou precisando de um excelente melão.
— Adivinho que seja para nossa infeliz rainha. Leve este, é o melhor que tenho.
— Qual o preço?
— Guarde o seu dinheiro, e diga à rainha que muitas de nós estamos sofrendo junto com ela.(59:465)

Nas vésperas da Revolução Francesa esse quadro de harmonia e ajuda mútua estava bastante alterado, mas muito longe do grau apresentado pelos propagandistas da Revolução. Historiadores idôneos ressaltam esse aspecto. Mas, ao ressaltá-lo, reconhecem também que isso era resultado de decadência em relação aos costumes tradicionais aos quais o povo se acostumara.
***
Alguns membros da nobreza abandonaram o campo para ir perder-se na corte dos reis, gastando em prazeres e luxo o dinheiro que o trabalho dos cultivadores lhes proporcionava.(50:77) Segundo Tocqueville, o absenteísmo físico conduziu os senhores a um absenteísmo de coração. Quando o nobre reaparecia junto aos seus, mostrava ares e sentimentos como os que o administrador tinha na sua ausência. Não via mais os arrendatários senão como devedores, dos quais exigia com rigor o que lhe era devido por lei ou pelo costume. Daí os sentimentos de rancor e ódio. Por outro lado, por efeito desse mesmo absenteísmo faltava a direção geral, e as terras caíam em um deplorável abandono.(50:73)
Em todos os lugares onde os proprietários fundiários haviam mantido o contato com os colonos, o antagonismo das classes não se manifestou. É o que atestam os acontecimentos do Poitou, Anjou, Vandéia, Bretanha e Normandia.(50:74)
Nos lugares onde os senhores administraram seus bens por meio de intendentes – e, por conseguinte, eram quase desconhecidos de seus colonos – perdeu-se o contato entre ricos e pobres, o antagonismo social se manifestou com grande violência. Taine registrou este fato em várias partes de seus escritos.(50:74)

Outro fator que contribuiu para esse distanciamento foi o absolutismo real, inspirado por doutrinas revolucionárias previamente disseminadas, que levou os reis de vários países a centralizar em suas mãos a administração, exigindo para isso grandes somas de dinheiro e abundante pessoal qualificado.
***
Com maior ou menor afã, os diversos monarcas no fim do século XVIII tendiam para a realização em si mesmos do modelo absolutista. Esse tipo de monarca causava ao observador um primeiro impacto admirativo pela sua onipotência, a qual entretanto pairava tão-só na superfície da situação. Pois tal aparência de poder ilimitado não fazia senão velar a impotência profunda em que se colocavam os reis absolutos pelo seu próprio isolamento.(89:120) Cada vez mais desligados de nexos vitais com todos os corpos intermediários que constituíam a nação, esses monarcas absolutos já não tinham os seus apoios naturais, ou os tinham debilitados pelo estado de asfixia crescente em que o seu próprio absolutismo os punha.(89:121)
Incapaz assim de se manter de pé, de andar e de lutar com o apoio dos seus elementos constitutivos naturais, que são os grupos intermediários, a monarquia absoluta era obrigada a apoiar-se em redes de burocracias cada vez maiores. Esses organismos burocráticos eram as pesadas muletas, reluzentes mas frágeis, dessa realeza de fins do século XVIII. O funcionalismo, quanto maior, tanto mais é pesado. E quanto mais pesado, tanto mais onera aqueles mesmos que, para estarem de pé e andarem, são obrigados a carregá-lo. Assim, a realeza absoluta e burocrática foi devorando ao longo dos tempos o Estado paterno, familiar e orgânico.(89:121)

From: Chanteclair
Preciso comentar algo sobre isso, Beaugeste. Sou colecionador de frases espirituosas, e tenho uma sobre o peso exorbitante dessa burocracia: Como todo mundo quer viver à custa do governo, o governo acaba vivendo à custa de todo mundo.101 Observe que isso se aplica muito bem aos nossos dias, pois o contribuinte pode ser visto como um cidadão que trabalha para o governo sem prestar concurso.(14)

Exemplo típico de uma nobreza que resistiu a esta influência demolidora da monarquia absoluta foi a da Vandéia, na França, região que se tornou depois um dos focos de resistência à Revolução Francesa. Para se entender bem o espírito dessas reticências da nobreza vandeana ao absolutismo real (contra o qual os revolucionários de 1789 discorreram tão furiosa e prolixamente), é preciso ter em vista que o trono não teve mais ardorosos defensores do que ela, nem os revolucionários encontraram mais heróicos e altaneiros opositores.(89:120)
Comenta o insigne historiador Georges Bordonove: “A nobreza vandeana formava uma casta, não encerrada em recordações, mas animada pelo seu próprio dinamismo. A existência de Versalhes não a debilitou, nem física nem moralmente. Salvo exceções, a influência das idéias novas, o pensamento dos filósofos e dos discursos dos verbosos expositores de doutrina do ‘século das luzes’ deixavam-na indiferente. Pelo contrário, a sua tendência era para a recordação do papel que desempenhou em épocas passadas, do seu poder e da sua fartura, da sua antiga grandeza e da preeminência do Poitou. Ela sofria, sem dúvida, com a regressão da nobreza em proveito do poder centralizador do Estado. Nunca perdoou inteiramente a Richelieu por ter demolido os seus castelos feudais, nem ao Rei Sol o seu absolutismo altivo”.(89:120)

Quem lê textos como alguns dos citados, pode pensar que a revolução veio para libertar a classe trabalhadora de um iníquo estado de exploração do homem pelo homem. Os ideólogos e propagandistas da revolução procuram transmitir essa impressão falsa. Mas a situação geral não melhorou após os desmandos da Revolução, nem os ideólogos revolucionários pretendiam de fato melhorá-la, como se constata nos próximos textos.

Na França do século XVIII, a teoria da separação dos poderes significava a restrição dos poderes do rei. Mas Montesquieu, da mesma forma que Voltaire, possuía uma atitude de desprezo pelo povo, que ele classificava de “ralé”. Assim, defendeu o liberalismo político, mas estava muito longe de ser um democrata na acepção plena do termo.(71:107)
Voltaire adotava uma posição de extremo desprezo para com as camadas mais pobres da população, julgava-as merecedoras de sua sorte devido à sua “ignorância” e “grosseria”, defendendo de forma completa os interesses da rica burguesia da França. Com exceção de d’Alembert e Rousseau, todos os grandes filósofos da época tinham por característica a manifestação de desprezo pelas camadas mais humildes.(71:106)
Um historiador recente do campesinato da Borgonha descreveu a penetração dos capitais vindos da cidade para investir no campo, durante o século XVIII, como uma verdadeira “ofensiva capitalista”, que destruiu a velha comunidade das aldeias e desferiu um golpe mortal no antigo senhorio. Os camponeses lamentavam-se de que os bons velhos senhores tivessem vendido suas propriedades a burgueses indiferentes aos interesses da população rural.4:63 Uma aristocracia menos nobre substituiu outra mais nobre, uma vez que os povos nunca ficam sem aristocracia.(50:62)
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Durante a Revolução Francesa, perguntaram a Sieyès a sua opinião sobre a supressão dos títulos nobiliárquicos. Ele respondeu:
— Não é preciso destruir a aristocracia, e sim os aristocratas.(32:13517)
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O Estado que surgiu da Revolução Francesa, que roubou à família sua independência, fez também leis para suprimir essa coesão e essa permanência.(50:108) Procurou substituir quanto possível as relações de trabalho pela burocracia. Ou seja, pelos birôs de estatísticas e informações, e pelos sempre ativos serviços de informação policiais.(89:246)

Parece-me que podemos vislumbrar hoje sobre as relações entre os nobres e o povo, com base nos textos apresentados, uma imagem bastante correta e condizente com a realidade. Bem ao contrário dos slogans revolucionários,


As relações dos nobres com o povo eram cordiais e de ajuda mútua

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03 - A FIGURA DO REI DESPERTA O RESPEITO E A VENERAÇÃO DO POVO

Caros amigos, várias mensagens que recebi indicam que o assunto de ontem despertou muito o interesse e a admiração, tanto dos colaboradores que já se apresentaram quanto de outros novos que vão se incorporando. E me foram enviados mais fatos na mesma linha, que incluo no dia de hoje. Um estudioso da família na época do Antigo Regime francês definiu muito bem o amor do povo aos seus reis, nos textos abaixo que me foram enviados pelo Delassus, um novo colaborador.
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O amor e afeição dos franceses pela pessoa dos seus reis era parte essencial e marcante do caráter nacional. A palavra roi provocava no espírito dos franceses idéias de beneficência, de reconhecimento e de amor, ao mesmo tempo que as de poder, grandeza e felicidade. Os franceses acorriam em multidão a Versalhes, nos domingos e dias de festa, olhando seu rei com uma avidez sempre nova, e o olhavam pela vigésima vez com tanto prazer como na primeira. Eles o viam como seu amigo, protetor e benfeitor. Diz o general Marmont: Antes da Revolução, tinha-se pela pessoa do rei um sentimento difícil de definir, um sentimento de devotamento com caráter quase religioso. A palavra roi tinha ainda uma magia e um poder em nada alterados. Esse amor se tornava uma espécie de culto.(50:38)
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O povo francês sentia-se vaidoso em obedecer aos seus reis, em comparação dos quais todos os demais monarcas da Europa ou da Ásia não passavam de reis de província. Orgulhava-se do incontestável prestígio dessa augusta família, à qual estavam ligados seus destinos. Não pouco se envaideciam de que a corte da França fosse suntuosa, ou que o palácio de Versalhes fosse o mais admirado do mundo. Para a corte francesa, o esplendor era indispensável. E não era a vaidade dos príncipes, mas a vaidade do povo que o tornava necessário. Um burguês parisiense comentou de modo muito sério com um inglês:
— O que é feito do vosso rei? Ele está mal acomodado, dá até pena... Veja o nosso... Não é soberbo este palácio? Tendes um semelhante para mostrar? Que grandeza e que brilho! Nossos príncipes de sangue têm uma corte mais brilhante do que a do vosso rei da Inglaterra.
Dessa maneira o povinho se glorificava com a magnificência dos seus reis.(41:81)
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Os males dos quais as pessoas reclamavam, ninguém pensava em atribuí-los à realeza ou ao rei. Em todos os registros, os franceses demonstravam um ardente realismo, um ardente devotamento à pessoa de Luís XVI. Sobretudo nos registros do primeiro grau, ou das paróquias, era um grito de confiança, de amor, de gratidão: Nosso bom rei! O rei nosso pai! – eis como se exprimem os operários e os camponeses. A nobreza e o clero, menos acanhadamente entusiastas, se mostravam também realistas.(50:39)

Não posso deixar de acrescentar alguma coisa sobre a minha inesquecível Maria Antonieta.
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Em carta à sua mãe, imperatriz Maria Teresa, a futura rainha da França narrou a sua entrada juntamente com o delfim (futuro Luís XVI) em Paris: “Quanto às honras, recebemos todas as que se possam imaginar. Mas o que mais me tocou foi a ternura e a solicitude dessa pobre gente, que estava enlevada de alegria por nos ver. Quando fomos passear nas Tulherias, havia uma multidão tão grande, que ficamos quase uma hora sem poder avançar nem recuar. O delfim e eu recomendamos com insistência aos guardas que não maltratassem ninguém, o que produziu muito bom efeito. Houve tanta ordem nesse percurso, que ninguém se feriu, apesar do grande número dos que nos acompanharam. Na volta, subimos a um terraço e aí ficamos meia hora. Não consigo transmitir, mamãe, o arrebatamento de alegria e afeto que nos foram manifestados. Antes de nos retirarmos, saudamos o povo com as mãos, e todos gostaram muito. Como é bom, na nossa condição, conquistar a amizade de um povo por tão pouco! Nada existe tão precioso. Eu o senti, e disso jamais me esquecerei”.(86:249)
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A rainha Maria Antonieta passeava a cavalo no Bois de Boulogne e encontrou Luís XVI, que havia dispensado a guarda e caminhava acompanhado por um grupo de curiosos. Apeou do cavalo, o rei correu para ela e a abraçou, beijando-a na fronte. A multidão aplaudiu comovida, e então o rei completou sua demonstração de carinho depondo-lhe um ósculo em ambas as faces. O entusiasmo da multidão chegou ao auge, e se fez ouvir em todo o bosque.(41:86)
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Por ocasião do nascimento do delfim – primeiro filho do rei Luís XVI e Maria Antonieta, com direito à sucessão – toda a França comemorou o evento com alegria esfuziante. Sucessivas delegações de todas as classes, de todas as corporações de ofício, de todas as regiões do país se apresentavam em Versalhes para felicitar o casal real e dar as boas vindas ao herdeiro do trono. Nas ruas, desconhecidos se cumprimentavam e se abraçavam alegres, como se fossem velhos amigos. Não poderiam faltar as inúmeras cançonetas, uma das quais fez muito sucesso e foi mesmo repetida em outras ocasiões pelo próprio rei:
Não receeis, caro papai,
Que aumente vossa família;
Dela cuidará o bom Deus.
Qual formigueiro cheio em Versalhes,
De Bourbons haja centenas
Com pão e sucesso para todos.(15:150)
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Entre os que afluíram a Versalhes a fim de manifestar ao rei e à rainha o contentamento dos franceses pela existência de um herdeiro sucessor do trono, Maria Antonieta recebeu três representantes da grande comitiva de mulheres parisienses de vida fácil. Uma delas externou o sentimento de todas:
— Madame, há muito tempo nós vos amamos, mas não ousávamos dizê-lo. Precisamos de todo o vosso respeito para não abusar da permissão que agora nos concedeis para manifestá-lo.(59:179)
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Em meio aos sofrimentos e apreensões dos anos que vão da queda da Bastilha à execução do rei e da rainha, os insultos e agressões dos revolucionários eram parcialmente compensados por muitas demonstrações de fidelidade e devotamento. Em Saint-Cloud, numa tarde em que não havia a guarda a postos e o palácio estava quase vazio, a rainha trabalhava nos seus aposentos quando ouviu um murmúrio de muitas vozes no pátio diante das suas janelas fechadas. Abriu-as e viu um grupo de umas cinqüenta pessoas, composto de algumas mulheres com trajes de camponesas locais, velhos cavaleiros de São Luís, jovens cavaleiros de Malta e alguns eclesiásticos. Cumprimentou-os amavelmente, e eles lhe disseram:
— Tende coragem, senhora. Os bons franceses sofrem por vós e convosco. Rezam também por vós, e o Céu nos atenderá. Nós vos amamos e vos respeitamos, e veneramos nosso bom rei.
Com lágrimas nos olhos, a rainha agradeceu e se despediu, recomendando-lhes que tivessem prudência.(15:273)
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No dia seguinte ao retorno da família real francesa de Versalhes a Paris, algumas das mulheres que participaram das atrocidades desse dia se reuniram diante da janela dos aposentos da rainha nas Tulherias e gritaram:
— Queremos ver a rainha!
Ela se apresentou, e uma das mulheres que agia como líder do grupo assumiu um papel como o de conselheira, dizendo:
— É necessário que a senhora se afaste de todos esses cortesãos que desencaminham os reis. E também é preciso amar o povo desta cidade.
— Mas eu já vos amava enquanto morei em Versalhes, e agora continuarei a amar-vos morando entre vós.
— Sim, mas no dia 14 de julho queríeis sitiar e bombardear a cidade; e no dia 6 de outubro pretendíeis fugir para a fronteira.
— Isso é o que vos disseram, e infelizmente acreditastes. Os que espalham essas falsidades são os mesmos que promovem a infelicidade do povo e a do melhor dos reis.
Uma delas disse alguma coisa em alemão, como para insultá-la com o epíteto de “a austríaca”, que os revolucionários usavam, e a rainha prontamente a interrompeu:
— Eu não entendo o que falais. Agora sou tão francesa quanto vós, e até esqueci a minha língua materna.
Prolongados aplausos se seguiram a esta resposta, e depois uma delas pediu-lhe como lembrança a fita que prendia os seus cabelos. Foi-lhes entregue, e logo repartida entre elas com alegria.(15:251)
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O assalto dos amotinados às Tulherias forneceu exemplos de como essa parte da população estava furiosa apenas por ter-se deixado manipular pelos líderes revolucionários, convencendo-se das calúnias que estes divulgavam. Atrás de uma grande mesa, e cercada por seus filhos e pessoas de confiança, Maria Antonieta foi insultada por uma jacobina das mais furiosas. A rainha lhe perguntou:
— Já me havíeis visto antes?
— Não.
— Eu já vos fiz pessoalmente algum mal?
— Não, mas fazeis mal à nação.
— Isso é o que outros vos disseram, mas fostes enganados. Sou esposa do rei da França e mãe do delfim. Sou francesa, e jamais voltarei ao país onde nasci, portanto só poderei ser feliz ou infeliz na França. E eu era feliz quando o povo me amava.
A megera jacobina começou a chorar, e disse:
— Isso aconteceu porque eu não vos conhecia. Mas agora vejo que sois boa.(15:336)

A Revolução Francesa executou na guilhotina o rei e a rainha, dizimou grande parte da nobreza francesa e instalou a república, seguindo-se o império ditatorial de Napoleão até 1814. Depois das gloriosas batalhas de Napoleão, que subverteram toda a ordem na Europa, o povo ansiava pela volta da monarquia. Restaurada esta, o conde de Provence assumiu com o nome de Luís XVIII. Impossibilitado pela gota, foi representado no desfile pelo seu irmão, conde de Artois. O historiador Georges Bordonove narra a recepção calorosa feita na ocasião:
***
O conde de Artois fez a sua entrada solene em Paris, no dia 10 de abril de 1814. Não havia nas casas janelas suficientes para conter a multidão entusiasmada, que ficara rouca de tanto gritar. O tempo estava esplêndido. O sol de abril iluminava aquela profusão de bandeiras brancas, flores, fisionomias risonhas. Crianças e jovens agarravam-se às grades; outros valentes, empoleirados nos telhados, agitavam chapéus. Tambores soavam. Os cavalos caracolavam sobre as calçadas. De todos os lados fundiam-se, espontaneamente, os brados de: Vive le Roi! Vive Monsieur! Quanto mais próximo do centro de Paris, maior a alegria, o entusiasmo transformava-se em delírio. Monsieur era realmente um belo homem! Conservava um tal porte apesar dos seus 57 anos! Envergava tão bem o seu uniforme azul com ornatos e dragonas de prata! Montava com tanta elegância o magnífico cavalo branco que lhe fora oferecido! Tinha um olhar tão altivo, e ao mesmo tempo tão cheio de bondade! Respondia às aclamações com tanta graça! Havia tanto tempo que não se via um verdadeiro príncipe, encantador e cavalheiresco!
Assim avançava ele em direção a Notre-Dame. Monsieur deixava a multidão aproximar-se, tocar-lhe as botas, os estribos, o pescoço do seu cavalo. Esta ousadia agradava. Os marechais do Império seguiam-no: alguns tinham-se apresentado a ele com a cocarda tricolor; outros não ocultavam a sua hostilidade; todos estavam ansiosos por conservar o seu posto. Monsieur cumprimentou-os. Pouco a pouco eles deixaram-se conquistar pela euforia geral. A movimentação e as exclamações alegres daquela multidão os desconcertavam. Não compreendiam por que os parisienses entusiasmavam-se a tal ponto por esse príncipe, um desconhecido para eles até à véspera. Uma misteriosa centelha havia eletrizado os corações. Fora Monsieur que a acendera. Ele tinha o dom de agradar, de seduzir tanto as multidões quanto os indivíduos; hoje diríamos: um carisma. Ele era conforme à imagem que se fazia de um príncipe: havia simplicidade no seu comportamento, e também esse à vontade supremo que não se aprende, pois se herda.
Com dificuldade abriu-se caminho para ele até Notre-Dame, onde estava previsto um Te Deum. Os acontecimentos tinham-se precipitado de tal maneira, que não houve tempo de decorar a catedral. Viu-se que ele se ajoelhava e rezava com fervor. Agradecia à Providência por lhe ter concedido a alegria de ter reconduzido a França ao trono dos lises.(89:318)

From: Kaunitz
Conheço um episódio semelhante a este, que mostra o apreço dos austríacos pelo seu imperador, mesmo depois de uma grande derrota militar. Após a batalha de Wagram, em 1809, as tropas napoleônicas permaneceram em Viena durante vários meses. Depois que se retiraram, o imperador Francisco I voltou à capital e foi recebido carinhosamente pela população. O historiador João Batista Weiss narra a recepção que lhe foi feita:
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A 26 de novembro as tropas austríacas retornaram a Viena; no dia 27 chegou o imperador às 4 da tarde. Já desde a madrugada, milhares e milhares de pessoas se dirigiram a Simmering, para receber o amado imperador. Toda Viena estava de pé, comprimidos uns contra os outros, aguardando como filhos que esperam o seu amado pai. Finalmente, às 4 horas ele se apresentou, sem nenhuma guarda, numa caleche aberta e com uniforme do seu regimento de hussardos, tendo ao seu lado o mordomo-mor conde de Wrbna. A terra e o ar pareciam tremer com os clamores de júbilo: ‘Bem-vindo seja o nosso pai!’. Os lenços não paravam de acenar.
O Burgomestre dirigiu-lhe umas palavras:
— Amado príncipe: quando um povo em luta contra o infortúnio, sofrendo de mil maneiras, só pensa nas penas do seu príncipe, o amor repousa sobre o mais profundo sentimento, firme e imperecível. Nós somos esse povo. Quando os nossos filhos caíam na luta sangrenta, quando balas incandescentes destruíam as nossas casas, quando os alicerces de Viena estremeciam com o ribombo das batalhas, pensávamos em ti. Príncipe e pai, pensávamos então em ti com silencioso amor. Pois não quiseste essa guerra. Só a fatalidade da época a impôs. Quiseste o melhor. O autor das nossas penas não foste tu. Sabemos que nos amas; sabemos que a nossa ventura é a tua sagrada e firme vontade. Amiúde sentimos as bênçãos da tua paternal bondade, marcaste o teu regresso com novos benefícios. Sê pois, príncipe paternal, saudado com amor imutável no meio de nós.
É verdade que o mau resultado da guerra privou-te duma parte dos teus súditos. Mas esquece a dor das tuas perdas na íntima união dos teus leais. Não o número, mas apenas a vontade firme e constante, o amor que tudo une, são os apoios sagrados do trono, e todos estamos animados deste espírito. Queremos suprir o que perdeste. Queremos ser dignos da nossa pátria, pois nenhum austríaco abandona o seu príncipe quando dela se trata. Ainda que os muros que rodeiam o teu palácio caiam em ruínas, o mais firme castelo são os corações do teu povo.(89:317)

Os reis tinham o desejo de manter contato freqüente com seus súditos, o que os levava muitas vezes a contrariar os próprios conselheiros e auxiliares.
***
Caminhando por entre a multidão nas ruas de Nantes, José II observou que a guarda afastava rudemente as pessoas para que ele passasse. Pediu então ao comandante da guarda:
— É melhor fazer isso suavemente, senhor. Um homem não precisa de tanto espaço para andar.(27:2:341)
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O imperador austríaco Francisco José compareceu de surpresa à academia militar de Wieder-Neustadt, e quis assistir à aula de História que daria o capitão Ebersberg. Sentou-se no primeiro banco e pôs de lado o chapéu. Um dos cadetes, para ter uma lembrança do monarca, conseguiu tirar às escondidas uma pena do chapéu. Mas outros viram e lhe fizeram sinais, cada um indicando que também queria uma. Quando o chapéu já estava em condições deploráveis, escorregou e caiu ao chão. Ouvindo o ruído, Francisco José se voltou, viu o cadete com uma pena na mão, e perguntou:
— O que queres com essa pena?
— Guardá-la como recordação. Mas todos os meus companheiros também querem uma.
— Ora, rapazes, assim não tenho alternativa senão deixar-vos todo o meu chapéu.
Entregou o chapéu, depois voltou-se para o professor e disse:
— Agora, senhor capitão, preciso recorrer ao empréstimo do seu chapéu.(32:5838)

From: Borghese
Beaugeste, estou acompanhando o seu blog, e tudo me parece muito interessante, inteiramente fora do que se ouve por aí sobre a nobreza antiga. Tenho ascendentes italianos, e vou narrar alguns fatos da Itália, que meus pais me contavam. E você verá que confirmam o que precisa ser comprovado para o seu professor.
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Enquanto Vitório Emanuel II caminhava no alto de uma montanha, viram-no dois camponeses, e um sugeriu:
— Aquele é o rei. Vamos nos esconder atrás daquela árvore e observá-lo, pois nunca o vi de perto.
O rei ouvira a proposta, aproximou-se e disse:
— Podem olhar-me bem, sem medo. Agora vocês já sabem que sou um homem como qualquer outro. E para se lembrarem bem do meu rosto, fiquem com estas moedas, onde ele está gravado.(1:268)
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Vitório Emanuel II encontrou um camponês andando descalço e carregando os sapatos na mão.
— Por que não calças os sapatos?
— Porque assim eles se gastam.
— E a tua pele, não se gasta também?
— Sim, mas ela volta.
O rei deu uma gargalhada e perguntou:
— Como te chamas?
— Alberto.
— Tens o nome do meu pai, e eu quero proteger os teus pés. Toma este dinheiro para pagar os sapatos.1:266
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Em visita oficial a Lucca, Vitório Emanuel II sempre perguntava a quem o cumprimentava:
— Qual a tua profissão?
Apresentou-se o proprietário de uma hospedagem famosa da cidade, chamada O Universo. Ao lhe ser feita a pergunta, respondeu:
— Majestade, sou o dono do Universo.
— Caramba! E eu sou apenas o rei da Itália!(32:14948)
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Em 1888 a rainha Margarida de Sabóia visitou Forlimpopoli a convite do prefeito. Quando subia a escada da prefeitura, encontrou um ancião ex-combatente que descia e cumprimentou-a. Perguntou-lhe:
— Onde o senhor esteve?
— Senhora, estive na prefeitura para entregar à rainha um pedido de condecoração.
— Em quais feitos de armas se baseia o pedido?
Ele os contou com demonstrações de orgulho, e a rainha prometeu:
— Recomendarei o pedido à rainha.
— A senhora a conhece?
— Um pouco.
Quando chegou embaixo, foi quase sufocado pela multidão querendo saber o que lhe tinha dito a rainha.
— A rainha?! Que estúpido sou eu, por não ter reconhecido a rainha. Quem mais poderia ser uma senhora tão bela e gentil?(32:9202)

From: Escovedo
Não posso deixar passar a oportunidade, que já venho esperando desde o primeiro dia do seu blog, para apresentar alguns fatos muito significativos do contato amistoso dos reis espanhóis com o seu povo. Vou limitar-me hoje a apenas três, mas ainda tenho muitos outros que irei apresentando com o tempo.
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Numa cidade de Aragão havia o costume de eleger, durante a Epifania, um rei para presidir às festas e aos banquetes. Passando Carlos V pela cidade numa dessas ocasiões, o rei escolhido o procurou, e disse em tom de brincadeira:
— Senhor, hoje eu também sou rei.
No mesmo tom, o imperador respondeu:
— Meu caro, escolheste uma profissão muito ruim. Basta ver-me.(32:2434)
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Em 1845, a rainha Isabel II visitou a vila de Mendaro, nas Vascongadas. Os habitantes prepararam os saborosos biscoitos que ali se produzem, e pediram ao sacristão do lugar, mais versado na gramática espanhola, que os oferecesse à rainha. Diante dela, o sacristão se desincumbiu dizendo o seguinte:
— Senhora nossa rainha, Mendaro não tem melhores do que estes. Comei-os, com vossa mãe e vossa irmã, lembrando que os damos de coração.(109:504)
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Em 1908, durante o governo de Maura, o rei Afonso XIII declarou que pretendia ir a Barcelona, onde a situação era particularmente grave. Alguns conselheiros lhe expuseram o risco que havia, e este proclamou, peremptoriamente:
— Senhores, quero que saibam que sou o rei de toda a Espanha. No dia em que me inspire temor a idéia de visitar uma parte qualquer do meu reino, serei suficientemente honrado para abdicar imediatamente.(109:2821)

From: Heródoto
Sou historiador, meu caro Beaugeste, e conheço muitos fatos como os que você pediu, especialmente do mundo antigo, e irei fornecendo-os à medida que se encaixarem nos que você já vai coletando. Desculpe a falta de modéstia na escolha do pseudônimo, que afinal é o nome do “pai da História”. Estou bem longe disso, mas posso dar-lhe uma contribuição valiosa com os dados que tenho. Parece-me que os outros colaboradores têm mencionado fatos sobre reis e nobres da civilização cristã, desde a Idade Média, mas também no mundo antigo a disposição geralmente era a mesma, embora se tratasse de pagãos. Eis um fato do mundo romano.
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César foi aconselhado por amigos a ter mais cuidado com a própria segurança, evitando andar sozinho no meio do povo. Respondeu:
— Quem vive com o temor da morte, sente-se torturado a cada instante. Eu prefiro morrer uma vez só.(30:157)

From: Egmont
Beaugeste, meus pais são originários da Bélgica, e por isso me interessei sempre pelos fatos ligados àquela região e vizinhanças, inclusive os países nórdicos. Do que foi dito ontem e está sendo acrescentado hoje sobre a facilidade de contato do povo com os seus reis, conheço muitos exemplos. Aí vão alguns.
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O rei Carlos XII da Suécia levantou-se muito cedo e foi à casa de um dos ministros, para conferenciar com ele. Sem identificar-se, teve de permanecer bom tempo na sala de espera, junto com as outras pessoas, enquanto o ministro se preparava. Um soldado puxou conversa, e estiveram trocando idéias até chegar o ministro. Ao entrar, este logo reconheceu na sala o rei e foi pedir-lhe desculpas pela falta de experiência dos seus funcionários. E o soldado, aturdido, também foi desculpar-se pela excessiva familiaridade com que o tratara:
— Perdoai, senhor. Eu vos havia tomado por um homem.
— Nada há de mau nisso. Afinal, um rei é o que mais se parece com um homem.(10:213)
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No dia em que deveria receber o prêmio Nobel de literatura, Pirandello chegou um pouco atrasado à cerimônia na Casa de Concertos de Estocolmo. Andando pelos amplos corredores do edifício, não sabia como se orientar, e abordou um senhor que lhe pareceu militar de alta patente. Perguntou-lhe onde ficava a sala de recepção, e o desconhecido lhe disse amavelmente que também se dirigia para lá. Foram juntos até perto da porta de entrada, e então o escritor perguntou com quem tivera a honra de falar.
— Meu nome? Sou o rei Gustavo.
Pirandello declinou o seu nome, e o rei, ainda mais amavelmente, respondeu:
— Foi uma satisfação poder conhecê-lo antes da cerimônia. Pode entrar, porque já está na hora. Eu precisarei esperar, já que o protocolo exige que seja o último a entrar no salão.(81:248)
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O rei Oscar II da Suécia visitava uma cidade do interior, e lhe foi preparada uma festiva recepção, com todas as ruas engalanadas. Na fachada de um grande edifício fora colocada uma faixa com os dizeres “Sede bem-vindo, Senhor”. Quando passou por ali, perguntou:
— Que edifício é aquele?
— A prisão municipal.
O rei deu uma boa gargalhada, e comentou:
— Aprecio muito a saudação. Mas boas vindas a uma prisão, parece-me cordial demais...(109:563)

Veja no próximo fato a naturalidade com que se tratam um juiz de aldeia e o austero imperador alemão.
***
Viajando incógnito pelo interior da Hungria, o cáiser Guilherme I encontrou na vizinhança de Toeplitz um juiz húngaro caminhando tranqüilamente pela estrada, fumando seu cachimbo. No seu conhecido estilo de sub-oficial alsaciano, que só os soldados prussianos sabem apreciar, interpelou o juiz:
— Quem és tu, meu rapaz?
— Juiz da comarca.
— Estás contente com a tua posição?
— Sem dúvida.
— Muito bem, eu te felicito.
Quando o cáiser ia se afastando, o juiz devolveu a pergunta:
— Quem és tu, meu rapaz?
— Sou o rei da Prússia.
— Estás contente com a tua posição?
— Sem dúvida.
— Muito bem, eu te felicito.
E prosseguiu tranqüilamente a sua caminhada.(27:2:415)

Nem sempre o conceito do rei sobre o seu povo era muito lisonjeiro, o que não o impedia de tratá-lo sempre com benevolência.
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Diferente dos seus antecessores, Catarina II gostava que se falasse do povo russo com grande admiração. Um dia Narischkine a interpelou:
— Majestade, quando eu era jovem, falava-se da Rússia como a última das nações, e os russos eram tratados como animais selvagens, bárbaros. De algum tempo para cá, afirma-se que somos o primeiro povo do mundo. Antes éramos os últimos, agora somos os primeiros. Gostaria que Vossa Majestade me informasse em que momento estivemos em paridade com os outros.(32:2701)
***
Durante uma revista às suas tropas, um oficial fez notar a Frederico II a grande multidão que lhe tirava o chapéu quando ele passava, e observou:
— Gostaria de saber como é que essa gente toda se mantém.
— Vivem de enganar-se uns aos outros, e todos de enganar-me.(109:1566)

Embora variando muito de um país para outro, em decorrência das marcantes diferenças psicológicas e culturais entre as várias nações, era sempre cordial e ameno o trato dos reis com o seu povo. E uma constante nunca se desmente:


A figura do rei desperta o respeito e a veneração do povo

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02 - OS REIS ESTAVAM AO ALCANCE DO POVO

From: Joinville
Amigo Beaugeste, acessei ontem o seu blog, e quero que me considere um colaborador de primeira hora, pois já me disponho a fornecer-lhe os dados que conheço. E não são poucos. Acontece que eu sempre achei estranha a idéia que a maioria das pessoas tem, de que os nobres levavam uma vida isolada do resto da população, não se misturavam com os de baixa categoria. Isso não combinava com o conceito que tenho de nobreza. Se fosse como dizem ou pensam as pessoas, isso equivaleria às antigas castas do mundo pagão, ou seja, a caridade cristã teria passado longe deles. E não podia ser verdade, porque sei que a influência cristã a partir da Idade Média foi enorme, atingindo não só o povo simples, mas a sociedade de um modo geral. Por isso comecei a procurar os elementos que me permitiriam afirmar o contrário. E já encontrei muita coisa, que irei colocando à sua disposição. Vou começar relatando alguns fatos indicativos de quanto os reis e nobres eram acessíveis ao povo.
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São Luís IX, que governou a França de 1226 a 1270, tinha o costume de sentar-se às tardes à sombra do carvalho de Vincennes, para atender os pedidos que as pessoas do povo lhe queriam fazer. Qualquer camponês ou artesão podia aproximar-se do rei sem intermediários, e podia obter imediato atendimento a algum pedido que fizesse. Muitos séculos depois, o rei Luís XIV não desdenhava de receber pessoalmente em certos dias, nos jardins de Versalhes, quaisquer pessoas do povo que desejassem recorrer diretamente a ele.(8:71)
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São Luís tratava seus súditos com inteira familiaridade. O senescal Joinville afirma: Todos os dias ele dava de comer a grande número de pobres, em sua própria casa, e várias vezes eu vi que ele mesmo lhes cortava o pão e lhes dava de beber. Seria erro acreditar que estes eram traços limitados em particular à magnífica bondade de São Luís. Roberto o piedoso, entre outros, agia da mesma forma. Foi uma tradição, entre nossos antigos reis, a de se mostrarem acolhedores e beneficentes, sobretudo em relação aos pequenos e humildes.(50:35)
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Contrariamente ao que muitos imaginam, desde a Idade Média os reis sempre tiveram íntimo contato com seus povos.(8:71) Os embaixadores venezianos do século XVI constatam, nos seus célebres despachos, que na França nenhuma pessoa era excluída da presença do rei, e as pessoas da classe mais baixa penetravam ousadamente em seu salão íntimo. O rei comia diante de seus súditos, em família, e cada um podia entrar na sala durante a refeição. O próprio Luís XIV afirmou: Se há um caráter singular nesta monarquia, é o acesso livre e fácil dos súditos ao príncipe.(50:37)
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Locatelle escreveu em 1665: “Fui ao Louvre, onde caminhei com toda liberdade. Transpondo os diversos corpos da guarda, cheguei àquela porta que se abre – as mais das vezes pelo próprio rei – quando alguém nela toca. Basta tocar de leve, e logo se é introduzido. O rei quer que os súditos entrem livremente”.(50:37)
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Em Versalhes, andava-se pelo palácio como numa feira. Tudo permanecia aberto para qualquer um, e a única condição era a obrigatoriedade de portar uma espada, que podia ser alugada por pouco dinheiro. Luís XV, entrando certa ocasião no seu quarto, deparou com um senhor muito perplexo. Após ter-se perdido no dédalo de corredores, abrira uma porta qualquer. Sem encontrar nenhum oficial que lhe barrasse o caminho, vira-se nos aposentos reais. Pode-se imaginar a surpresa do rei e a confusão do visitante, que por honestidade queria a todo custo ser revistado. Um rapaz que trabalhava no palácio reconheceu-o como cozinheiro de um seu amigo, e o qualificou como o primeiro homem do mundo num boeuf à l’écarlate. O rei lhe deu cinqüenta luíses, para compensá-lo do susto.(41:50)
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Um clérigo inglês percorreu livremente todas as galerias e salões de Versalhes e presenciou as cerimônias abertas ao público, embora estivesse vestido de modo inadequado. Mas ele meteu na cabeça que devia também assistir ao jantar do rei. Um mestre de cerimônias o interpelou:
— O senhor não pode entrar assim, com o colete vestido pelo avesso.
O clérigo acertou a posição do colete.
— Mas a casaca está desabotoada.
O inglês corrigiu a falha.
— Isso ainda não basta, pois o chapéu que o senhor usa é redondo.
Ele achatou o chapéu e o colocou debaixo do braço.
— O senhor é tão engenhoso para metamorfosear a toalete, que não farei mais objeções.
E o clérigo assistiu tranqüilamente ao jantar do rei.(41:49)
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Luís XV tinha a habilidade de cortar com um só golpe do seu garfo a casca de um ovo. Aos domingos, quando era permitido a qualquer visitante do palácio assistir à refeição do rei, muitos se distraíam com essa minúcia, ao invés de prestar atenção na grande figura que ele representava.(27:2:414)
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Na época de Fernando VII, uma das grandes distrações populares era quando o rei voltava do passeio. O povo tinha então permissão para aproximar-se do soberano espanhol, indo até a chamada meseta de los leones, e podia mesmo conversar com ele e beijar-lhe a mão. Alguns aproveitavam para fazer-lhe um pedido, que o rei ouvia com atenção.(109:2859)

From: Montmorency
Beaugeste, o que eu tenho lido confirma inteiramente o que afirmou o Joinville. Era até mais fácil falar com o rei do que com os ministros. Dou-lhe alguns exemplos.
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Depois de vários meses de tratativas com os ministros de Filipe II sobre um negócio importante, um aragonês resolveu expor seu assunto diretamente ao rei, que lhe disse:
— Lamento, mas o que o senhor pede é impossível.
— Fico imensamente agradecido a Vossa Majestade por essa resposta favorável.
— Espero que o senhor tenha entendido bem as minhas palavras: é impossível atender o seu pedido.
— É exatamente por isso que estou agradecendo. Os vossos ministros me disseram palavras vãs durante meses, fazendo-me perder tempo e dinheiro. Vossa Majestade resolveu-me o problema com apenas duas palavras.(19:3:182)
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Outro fato semelhante. Um cavalheiro pediu ao rei francês Luís XI um favor, mas lhe foi recusado. Em vez de entristecer-se, ele começou a dar demonstrações de contentamento, rindo-se e esfregando as mãos. O rei lhe fez a observação:
— Parece-me que o senhor entendeu mal. Eu estou recusando o que me foi pedido.
— Entendi exatamente como uma recusa, e estou muito contente por isso.
— Agora sou eu que não estou entendendo.
— Considero um grande favor a recusa clara e imediata que Vossa Majestade me fez. Isso vai me poupar muito tempo de espera e muitos passos, ambos inúteis, que eu teria se Vossa Majestade me desse alguma esperança.
O rei gostou da explicação, e acabou concedendo o favor pedido.(32:8582)
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Um casal apresentou um requerimento a Frederico II. Depois de lê-lo, o monarca prussiano orientou:
— Vocês devem apresentar este requerimento à câmara.
— Já o apresentamos, senhor.
— Neste caso, não posso fazer mais nada.
Tomando a mulher pelo braço, e começando a retirar-se, o homem disse a ela:
— Vamos embora. Está claro que ele combinou isso com a câmara.
O rei deu uma gargalhada e resolveu atendê-los.(19:4:19)

Agradeço ao Joinville e ao Montmorency os fatos interessantes e ilustrativos. Eu também conheço muitos outros semelhantes no Brasil.
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Após a sua viagem ao Brasil, o Conde Alexandre Hübner, diplomata austríaco, publicou no “Le Figaro”, em 18/10/1882, um artigo sob forma de carta dirigida ao povo brasileiro, no qual diz:
Oriunda de duas das mais ilustres e mais antigas famílias reinantes, a dinastia que vejo à vossa frente identifica-se convosco nos bons e nos maus dias. Aliando a simplicidade à dignidade, pode servir de modelo ao mais suntuoso como ao mais humilde lar.
Um fato, sobretudo, me impressionou. A 15 de agosto, a festa da Virgem foi celebrada com a pompa tradicional, na antiga igreja de Nossa Senhora da Glória. Quando cheguei, o templo já estava cheio de fiéis. As poltronas reservadas para a corte eram as únicas ainda desocupadas. Diante da igreja, na plataforma de onde se domina a vista do golfo, amontoava-se uma multidão de diversas cores. Do branco mais puro ao negro mais escuro, todas as tonalidades da pele humana ali se achavam representadas.
O sol poente dourava com seus últimos raios esse vasto lençol de rochedos fantásticos, todo esse conjunto de céu e mar, de granito e vegetação, que faz da baía do Rio uma das maravilhas do mundo. Os sinos todos dobram, soltam-se foguetes, e os petardos se juntam com seu barulho ensurdecedor. É a corte que se aproxima.
Guiado pelo acaso, penetrei por uma porta entreaberta num pequeno jardim dando para a plataforma, onde o proprietário e sua família receberam o desconhecido com hospitalidade verdadeiramente brasileira. Foi dali que pude lançar o olhar em profundidade e ver o Imperador dando o braço à Imperatriz, acompanhado da Princesa Imperial e do Conde d’Eu, subir a pé a rampa muito inclinada que conduz à igreja. Uma multidão compacta de povo os cercava. Nenhuma ala militar, nenhum policial. Dom Pedro encontrava-se no seio de sua grande família, e ali se sentia bem. Espetáculo admirável que me impressionou vivamente, porque recordava-me cenas semelhantes do meu país.(72:16)
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Todo o mundo, sem exceção, podia ser facilmente admitido à presença de D. Pedro II, não se precisando para isso nem de vestuário apropriado, nem de bilhete especial, nem de qualquer declaração ou outra formalidade, e muito menos de empenhos de políticos ou de gente do paço. Bastava apresentar-se em palácio, declinar o nome, que era lançado num grande livro, e penetrar naquelas salas abertas a todos. Benjamim Mossé afirma: Cada um pode apresentar-se como quiser, de casaca, de uniforme, de blusa, de roupa de trabalho; nem por isso deixa de ser recebido por Sua Majestade. O mais humilde negro, em chinelos ou pés descalços, pode falar ao soberano.(72:19)
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Escragnolle Dória, conhecido historiador e escritor, confirma: Era só chegar e esperar a sua vez, certo de ser atendido. Cada qual trazia o seu interesse e dava o seu recado sem vexame, na sua gramática. O Imperador costumava referir-se a essas audiências públicas como ‘receber a minha família brasileira’. Certa vez, falava ao Imperador uma mulher de cor, já idosa, cabeça nua, mãos trêmulas, xale aos ombros, vestido de chita, sapatos e meias usados. Aproximou-se acanhada, dirigiu-se ao soberano, e no perturbado da exposição deixou cair papéis, sem dúvida de apoio à modestíssima pretensão. Apanhou-os o Imperador, restituiu-os e continuou a ouvir por muito tempo, despedindo a suplicante com um sorriso de bondade e gesto de encorajamento, ficando a segurar os documentos que ela lhe confiara.(72:19)
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O romancista Gustavo Aimard, que visitou o Brasil três vezes, escreveu sobre nosso País o livro Brésil Nouveau. Estava no Rio havia oito dias, em 1881, quando seu amigo Sohier lhe sugeriu que fosse ao Palácio da Boa Vista visitar o Imperador. Perguntou então qual seria a etiqueta. O amigo riu-se, e lhe deu a explicação:
— Nos sábados, as audiências imperiais são públicas, e duram de duas às cinco da tarde. Os candidatos a um encontro com o soberano entram no palácio, sobem ao segundo andar, atravessam uma longa galeria e entram na sala das audiências, sem ninguém para lhes embargar os passos.
— Então não há soldados, funcionários e guardas?
— Soldados, haverá uns vinte. Mas nenhum se ocupa de quem entra nem de quem sai.
Aimard narrou desta forma a entrevista:
Entrei no palácio, subi uma larga escadaria atapetada, no alto da qual encontrei uma pessoa que imaginei ser um porteiro, mas que era um camarista. Perguntei-lhe onde estava o Imperador, e ele me indicou:
— Em frente, na segunda porta à esquerda.
Atravessei um imenso salão, que parecia estreito por causa de seu extenso comprimento. Estava deserto, completamente sem móveis, não tendo nem mesmo um banco. Em compensação, as paredes se achavam cobertas de quadros, dos quais quase todos me pareceram de bons mestres e de várias escolas. Alguns deles chamaram minha atenção, parecendo-me de grande valor. Fiquei de tal modo absorvido por essas telas, que esqueci por muito tempo o que tinha ido fazer ali. Duas pessoas que saíam, conversando em voz alta, chamaram-me à realidade. Abri a porta que o desconhecido me tinha indicado, e achei-me noutro salão, este muito bem mobiliado, no qual se via uma meia dúzia de capuchinhos comodamente sentados, todos cochichando uns com os outros. Atravessei uma galeria bastante estreita, mas muito longa, cheia de gente. O Imperador se encontrava no fim da galeria. Reconheci-o logo pela sua elevada estatura, pela barba loura entremeada de fios de prata, e pela fisionomia sorridente.(72:20)
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O conde d’Ursel, secretário da legação belga no Brasil, aqui desembarcou em 9 de dezembro de 1873. Narra a visita a D. Pedro II:
Estava o palácio imperial aberto a todo o mundo, e os veadores do soberano acolhiam os visitantes com a maior cordialidade. Ao limiar daquele palácio, sentia-se que o dono da casa a todos recebia benévola e bondosamente. Era sábado, dia de audiência pública, por assim dizer, pois toda e qualquer pessoa era admitida a falar a D. Pedro II. Na extremidade da longa galeria avistei o Imperador vestido de preto, parando em frente a pessoa por pessoa, estendendo freqüentemente a mão e ouvindo o interlocutor, sempre com visível atenção. Nada mais impressionante do que o espetáculo ao mesmo tempo simples e comovedor que eu tinha diante dos olhos. Havia pessoas de modesta posição, vestidas pobremente, esperando a vez para, sem intermediário algum, submeter ao soberano a sua petição. O Imperador, com benevolência e dignidade, deixa chegarem-se a ele todos dentre os seus súditos que têm uma reclamação a fazer ou um favor a pedir. É voz corrente que esta prática excelente serve por vezes de freio salutar aos funcionários que se deixam levar a arbitrariedades.(72:21)
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O conselheiro Nuno de Andrade descreveu uma audiência do Imperador:
Às cinco horas em ponto desci do tílburi, junto à portinha baixa onde uma sentinela cochilava. Não se pedia licença para entrar. Tomei a escada da direita, e fui ter a um longo salão retangular quase sem móveis, com grandes quadros nas paredes. O Freire, criado da casa e meu conhecido, disse-me:
— O Imperador não tarda.
Cerca de quinze pessoas esperavam D. Pedro II, e entre elas um preto vestido de brim pardo, sem gravata, com uns grandes sapatos muito bem engraxados. Depreendia-se do lustro do calçado que o preto cuidara de parecer asseado; como era idoso, a intenção traduzia certa altivez nativa. Tinha ido a pé e sentia-se cansado, por isso sentara-se no chão da galeria. O Pederneiras, com sua barba branca, chegou-se a mim, indicou o preto e disse filosoficamente:
— Ainda querem mais liberdade nesta terra...
Instintivamente olhamos para as portas, constantemente abertas a todos os brasileiros. O Imperador apareceu no extremo da galeria, e o preto levantou-se. Seria o primeiro a falar ao soberano, e ninguém se lembrou de lhe disputar a precedência. O Imperador lhe perguntou:
— Então, como está? Que é que temos?
— Estou bom, sim senhor. E vosmecê? Eu venho dizer a vosmecê que fui voluntário na guerra do Paraguai. Na batalha, fiquei com um braço ferido por bala. Curei-me, e continuei até o fim de tudo. Depois voltei e caí no meu ofício de empalhador. Há um ano adoeci do fígado, e o Dr. Miranda, na Santa Casa, me fez uma operação. Nunca mais tive saúde. Agora, não posso mais trabalhar no ofício, e não tenho vintém para comprar farinha. Na secretaria do Império há falta de servente, e eu fui falar com o ministro. Mas o ministro não fala com toda a gente. Estão lá uns mulatinhos pernósticos, que me dizem sempre: “Você espere”. Eu espero, sim senhor; e depois os mulatinhos me mandam embora, porque o ministro não recebe mais ninguém. Já três vezes isso me aconteceu. Então fiquei zangado e pensei assim: vou falar ao Imperador, que é nosso pai; ele não manda a gente embora. Ora, pois, eu queria que vosmecê me desse um bilhetinho para o ministro...
O Imperador chamou o general Miranda Reis, que então o acompanhava, e disse-lhe algumas palavras. Voltando ao preto, exprimiu-se assim:
— Vá com Deus. Fico sendo seu procurador, e tratarei do seu negócio.
— Mas eu tinha vontade de mostrar àqueles mulatinhos pacholas...
— Não tem nada a mostrar. Vá para sua casa e espere.
Alguns dias depois, contou-me o general Miranda Reis que o Imperador mandara alojar o antigo voluntário numa casinha da Quinta, e ordenara ao comendador João Batista que lhe suprisse a mensalidade de 40 mil réis, pedindo desculpas de não poder dar mais. E o João Batista, honrado mineiro, prodigiosamente econômico, amofinava-se com as freqüentíssimas decisões desta espécie, sustentando em voz fraca e lacrimosa que, das quatro operações, o sábio Imperador só conhecia a de dividir.(72:22)

From: Orloff
Beaugeste, acho muito bonita a acessibilidade dos reis, que os fatos de hoje demonstram. Mas isso precisa de um limite, pois as atividades deles certamente seriam prejudicadas se pudessem ser abordados por qualquer um a qualquer hora. Até dentro de uma simples família existem tais limites, sejam explícitos ou implícitos. Vou apresentar um exemplo de limitação explícita que havia na Rússia.
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De volta ao palácio real, o czar Nicolau I viu um rapaz diante da porta, fumando um cigarro. Aproximou-se e disse:
— Percebe-se que o senhor não é daqui, pois não sabe que em São Petersburgo é proibido fumar nas ruas.
— De fato, sou francês e não conhecia esta norma. Agradeço-vos, “general”, pela advertência.
E jogou o cigarro ao chão. Logo depois, dois policiais lhe deram ordem de prisão e o conduziram à cadeia. Ao ser interrogado, perguntaram-lhe:
— Por que conversaste com o czar na rua? Não sabes que é proibido?
— Czar?! Que czar?! Não conversei com nenhum czar.
Percebendo que de fato o rapaz não sabia com quem estivera conversando, eles o consideraram inocente e se dispunham a liberá-lo, mas foram antes relatar a Nicolau o que sucedera. Ele mandou que trouxessem o rapaz à sua presença, pediu-lhe desculpas e se ofereceu para ajudá-lo no que fosse possível. O rapaz se limitou a pedir:
— Majestade, há um favor que podeis fazer-me: se me encontrardes novamente na rua, agora que vos conheço, peço que não me dirijais a palavra.(32:10682)

O episódio narrado pelo Orloff reflete apenas uma limitação, necessária em assuntos dessa natureza. Mas o conjunto desses exemplos mostra que as coisas se passavam de modo muito diferente do que nos foi ensinado. Podemos afirmar com toda a segurança que


Os reis estavam ao alcance do povo

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01 - NOSTALGIA DE UM MUNDO COM A DOÇURA DE VIVER

As minhas leituras durante as férias haviam sido quase todas sobre a rainha Maria Antonieta, provavelmente a soberana mais caluniada da História.(54:274) Desde os primeiros sintomas de uma revolução em marcha, ela era o alvo de acusações caluniosas: gastava quantias exorbitantes, era leviana e infiel ao marido Luís XVI. O caudal de acusações gratuitas ia se avolumando. Livretos satíricos, cançonetas, epítetos desprestigiantes, tudo tinha livre curso com a complacência ou conivência da polícia. Mas a realidade era muito diferente. O escritor e filósofo inglês Edmund Burke narra os dois encontros que teve com ela:
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Faz já dezesseis ou dezessete anos que vi a Rainha de França, em Versalhes, quando era ainda a jovem esposa do futuro rei. Sem dúvida, nunca tinha descido a este mundo – que ela mal parecia tocar – uma visão mais deleitável. Vi-a precisamente despontar no horizonte, adornando e animando a elevada esfera na qual começava a mover-se, cintilando como a estrela matutina, cheia de vida, esplendor e alegria.
Oh! que revolução! E que coração precisaria ter eu para contemplar, sem emoção, tal ascensão e tal queda! Não podia sequer sonhar – quando ela inspirava não só a veneração, mas também um amor entusiástico, distante e cheio de respeito – que alguma vez ela se veria obrigada a levar, escondido no seu seio, o pungente antídoto contra o opróbrio. Não podia imaginar que viveria para ver semelhantes desgraças abaterem-se sobre ela numa nação de homens galhardos, numa nação de homens honrados e de cavalheiros. Supus que dez mil espadas teriam saltado para fora das suas bainhas para vingar tão somente um olhar que a ameaçasse de um insulto. Porém a era da Cavalaria passou. Sucedeu-a a dos sofistas, economistas e calculistas, e a glória da Europa está extinta para sempre.
Nunca, nunca mais contemplaremos aquela generosa lealdade para com a categoria e o sexo frágil, aquela ufana submissão, aquela obediência dignificada, aquela subordinação do coração, que até na própria servidão mantinha vivo o espírito de uma liberdade enaltecida. A inapreciável graça da vida, a pronta defesa das nações, o cultivo de sentimentos varonis e de empreendimentos heróicos, tudo isso desapareceu. Desapareceu aquela sensibilidade de princípios, aquela castidade da honra, que sentia uma mácula como uma ferida, que inspirava a coragem ao mesmo tempo que mitigava a ferocidade, que nobilitava tudo aquilo que tocava, e sob a qual o próprio vício, perdendo tudo o que tem de grosseiro, perdia a metade da sua maldade.(29:89)

Diante de depoimentos como este, creio que se entenderá facilmente o motivo da minha intervenção naquela aula fatídica: eu estava de fato defendendo a honra e a memória de Maria Antonieta. Sem ser nobre, sem ter ao meu alcance uma espada, eu esgrimia com os falseadores da História e procurava convencer a todos do que eu agora sabia. Não apenas a impressão pessoal de um pensador e escritor como Burke, mas fatos, muitos fatos que me deixaram enlevado, agradecido àquela rainha simplesmente por ter existido. Neste primeiro dia, quero compartilhar com os amigos alguns desses fatos, além de outros sobre personagens nobres, fornecidos pelos meus colegas.
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No dia 13 de janeiro de 1775, Maria Antonieta assistiu em Paris à ópera Iphigénie en Aulide, de Gluck. No segundo ato, um coral se inicia com o verso “Cantai, celebrai vossa rainha”. O cantor Achille o substituiu por “Cantemos, celebremos nossa rainha”. Nesse momento todo o público se levantou e prorrompeu em prolongados aplausos, que emocionaram a rainha até às lágrimas.(59:107)
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Maria Antonieta assistiu a uma das apresentações da ópera-cômica “Pedro, o Grande”, da qual Grétry compusera a música. Quando ela apareceu em seu camarote, os assistentes aclamaram de pé suas três reverências. Depois de sentar-se, ela passeou o olhar pela sala e descobriu numa frisa a filha de Grétry, sua afilhada, cujo nome era Antonieta em sua homenagem. Retirando a luva, depositou sobre a ponta dos dedos um beijo, e o fez voar com um sopro para sua afilhada. Esta infração encantadora da etiqueta desencadeou uma tempestade de aplausos, de lágrimas, que interrompeu durante quase um quarto de hora a orquestra e os cantores.(41:85)
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A rainha Maria Antonieta participava de todas as cerimônias da corte, mas preferia a vida doméstica e simples. Ao invés do grande teatro de Versalhes, preferia assistir com gosto às representações teatrais no pequeno teatro da cidade. Tinha ali uma frisa junto ao palco, e freqüentemente comparecia acompanhada da princesa de Lamballe. Numa cena da peça Os ceifadores, os personagens almoçam uma sopa de repolhos. A rainha gostou tanto do cheiro da sopa, que pediu autorização para participar da refeição, o que lhe foi concedido. Daí em diante, sempre que era representada a peça, havia na mesa um lugar reservado para a rainha.(27:2:393)
***
Um estudante de Tours visitou Versalhes, que era aberto a toda a população, em companhia de uma parenta grávida. Percorreram deslumbrados o palácio e caminhavam pelo jardim no meio da multidão de visitantes, mas a gestante manifestou sinais de cansaço. O estudante procurou um banco para ela sentar-se. Estavam todos ocupados, mas de repente ele viu um de mármore, onde estavam apenas duas senhoras, e cabia mais uma. Correu para lá e tomou posse do lugar vago ao lado delas, reservando-o para a gestante. Mas uma das senhoras era a própria rainha Maria Antonieta. Ao percebê-lo, o estudante levantou-se confuso, desculpou-se e justificou a intromissão. A rainha o acolheu com benignidade:
— Pois vá logo buscá-la, que o lugar fica reservado para ela.
Quando a gestante ia sentar-se, a rainha chamou um criado e ordenou:
— Vá ao meu quarto e traga uma almofada para esta senhora.
E explicou:
— Este banco de mármore é muito frio para a senhora neste estado, que exige muitos cuidados.
Em seguida se estabeleceu uma longa e amável conversa entre mãe e futura mãe.(41:84)
***
Como mãe carinhosa, a rainha Maria Antonieta comprava presentes para os filhos nas festas de fim de ano. Num ano de inverno rigoroso, quando a população sofria privações de toda ordem, ela encomendou de Paris os melhores brinquedos, bonecas e jogos que estavam à venda, e os colocou numa sala para os filhos. Reuniu-os para apreciá-los, e depois explicou:
— Meus filhinhos, eu queria dar-lhes bonitos presentes de Natal, e por isso os encomendei para que escolhessem. Mas quero propor uma coisa melhor. Há muitos pobres que estão sofrendo por causa do inverno, e se tornariam muito menos infelizes se pudéssemos dar-lhes algum dinheiro. Vocês não querem aliviar o sofrimento deles, deixando de receber este ano os seus presentes e dando-lhes o dinheiro equivalente?
Os brinquedos foram todos devolvidos, mas a rainha teve ainda o cuidado de indenizar o vendedor pelas despesas de transporte que tivera.(15:184)

Antes daquela minha viagem literária, eu estava muito longe de imaginar que Maria Antonieta fosse o que transparece nos fatos acima. Não sei como alguém conseguiria conciliar este último relato histórico – e há muitos outros – com a calúnia de que os gastos enormes dela eram responsáveis pelo déficit das finanças francesas, a ponto de os revolucionários a alcunharem de Madame Déficit.(17:147) Gastando dinheiro da sua dotação pessoal ou do rei, isso que pouco influía nas contas do governo.
Muitos outros fatos vieram confirmar essa nova impressão, e eu os irei incluindo à medida que este blog for tomando corpo. Agora vamos aos fatos fornecidos por meus colegas. Quando discutíamos sobre o modo de conseguir o que o professor exigiu, ficou combinado que os meus colegas usariam pseudônimos. Foram escolhidos um tanto arbitrariamente, geralmente ligados a nobres famosos. Alguns deles estão vinculados ao país de origem dos seus ancestrais.

From: Richelieu
Beaugeste, conheço um fato da França indicando a afabilidade com que os monarcas tratavam os súditos.
***
Durante uma caçada, o rei francês Henrique IV distanciou-se do grupo. Encontrando um camponês, e sem se identificar, pediu-lhe que o conduzisse a um determinado local de encontro dos caçadores. O camponês se dispôs a acompanhá-lo, e no caminho manifestou o grande desejo que tinha de conhecer o rei.
— O senhor nunca o viu?
— Nunca.
— Bem, então eu o mostrarei daqui a pouco, pois ele também estará no local aonde vamos.
— E como farei para saber quem é o rei?
— Muito fácil. Nesse local, todos os homens estarão de chapéu na mão, e só o rei o terá na cabeça.
Quando o rei se aproximou do grupo, todos se descobriram, e ele perguntou ao camponês:
— Agora o senhor já sabe quem é o rei?
— Bem, só nós dois estamos com o chapéu na cabeça. Portanto, ou sois vós ou sou eu.(109:1753)

From: Valdeiglesias
Beaugeste, minha família é originária da Espanha, e ouvi em casa muitos relatos sobre a vida dos reis e dos Grandes de Espanha. Vou colocá-los à sua disposição, à medida que conseguir desencravá-los da memória.
***
Filipe II da Espanha foi surpreendido na estrada por uma forte e prolongada chuva, que o obrigou a pedir hospedagem na casa do lavrador Pedro Carrasco. Satisfeito com o tratamento que lhe foi dado, mas que custara muitos incômodos ao lavrador, no dia seguinte ele disse:
— Pedro, pela boa acolhida que me fizeste, percebo que tens amor ao teu rei. E estou disposto a conceder-te a graça que me peças.
— Senhor, um homem como eu não tem outra ambição nem outra esperança além de que a colheita seja boa. Se isso está ao alcance de Vossa Majestade, então eu a quero.
— Os reis não podem tornar a colheita boa ou má, conforme queiram, pois isso não depende deles.
— Então não se preocupe Vossa Majestade, que vou pedir essa graça a Deus.
— Mas, nas coisas que dependem dos homens, não tens nada a pedir? Riquezas, honras, casamentos para as filhas?
— De honras, senhor, não necessito além das que me dá a minha consciência tranqüila. Riqueza, tenho a que me basta. Quanto às minhas filhas, eu as casarei eu mesmo, e creio que serão muito felizes.
— Bem, mas não pedirás nada para ti?
— Senhor, pedirei a Deus que não sejamos novamente obrigados a encontrar-nos nesta terra, como hoje, mas que nos encontremos no Céu.(10:225)
***
Apresentou-se a Filipe II um soldado que servira longamente no exército, e pediu:
— Senhor, eu servi no exército de Vossa Majestade durante toda a vida, e agora vejo-me na contingência de ir para a reserva sem ter o suficiente para comer.
O rei concedeu-lhe uma pensão adequada, mas alguns meses depois o soldado se apresentou para novo pedido. O rei contestou:
— Então não foi suficiente a pensão que lhe concedi há poucos meses?
— Sim, Majestade. Concedestes uma pensão que me basta para comer. Mas eu me esqueci de pedir uma pensão para beber.
O sisudo Filipe II quase se permitiu rir do pedido, e concedeu um aumento de pensão ao soldado.(19:3:121)

From: Chateaubriand
Sempre me interessei pela literatura francesa, Beaugeste, por isso adotei como pseudônimo o nome de um grande escritor francês, que era também de família nobre. Nessas minhas andanças pela literatura, interessava-me muito conhecer o papel dos vários personagens históricos que apareciam nos livros, e com isso adquiri um bom conhecimento sobre eles. Creio que isso será útil ao seu trabalho, e começo hoje relatando um episódio distensivo.
***
Um dia Luís XVI saiu de Versalhes com o príncipe de la Paix, ambos usando trajes comuns. Logo encontraram um carreteiro chicoteando violentamente os cavalos, que não conseguiam fazer o movimento adequado para desencalhar a carroça. O rei perguntou:
— Por que maltratas assim esses pobres animais?
— Ora, se sois mais tarimbado que eu, podeis tomar este chicote e desencalhar a carroça.
O rei tomou o lugar do carreteiro e tentou fazer o serviço, mas o movimento que conseguiu dar à carroça acabou por virá-la. O carreteiro se pôs a praguejar e amaldiçoar o imprudente, que ponderou:
— Ora, meu amigo, o mal está feito. Agora só nos resta consertar o erro. Mas nós vamos ajudar.
E tanto ele como o príncipe se puseram a descarregar, empurrar, recarregar. Nesse momento chegaram algumas pessoas que reconheceram o rei, e o disseram em voz alta. O carreteiro, apavorado com a informação, saiu correndo para esconder-se. Logo o monarca mandou buscá-lo, e perguntou:
— Por que fugiste? Nós não te ajudamos bastante, e não somos bons trabalhadores? Toma isto, para consolar-te.
E colocou algumas moedas nas mãos do carreteiro. Em seguida voltaram os dois ao palácio, com a roupa e os sapatos sujos de barro, mas rindo-se a valer.(27:1:576)

From: Schwartzenberg
Beaugeste, tenho sangue alemão e admiro muito as boas coisas que a Alemanha produziu. Acho que meu acervo de fatos poderá ser-lhe útil.
***
Em visita a uma escola de aldeia alemã, Frederico II recebeu um buquê de flores entregue por uma menina, agradeceu e resolveu fazer-lhe um exame oral.
— A que reino pertencem estas flores?
— Ao reino vegetal.
Frederico deu-lhe uma moeda, e acrescentou outra pergunta:
— E esta moeda, a que reino pertence?
— Ao reino mineral.
— Parabéns! E eu, a que reino pertenço?
A resposta que deveria ser dada – ao reino animal – pareceu pouco respeitosa à criança, e ela achou uma saída:
— Ao reino de Deus.
Sorrindo, o soberano comentou:
— Aceito a tua resposta como uma manifestação do teu bom coração.(32:5175)
***
A escritora francesa Olimpia Andouard viajava em carruagem de aluguel na Alemanha. Quando desceu, entregou ao cocheiro uma moeda cujo valor ela julgava suficiente. O cocheiro devolveu-a, falando alemão e gesticulando furiosamente. Ela não falava a língua alemã e não sabia como resolver o assunto. Nesse momento saía de uma casa próxima um senhor distinto, que se aproximou e disse em francês:
— Vejo que a senhora não fala nossa língua.
— Muito sonora, como podeis ver.
— Seja como for, está claro que seria útil conhecê-la. Mas não se preocupe, que eu resolverei o assunto. Quanto tempo durou a viagem?
Obteve do cocheiro o valor que ele esperava receber, transmitiu-o à escritora e esta efetuou o pagamento, mas notou que o infeliz tremia dos pés à cabeça. O cavalheiro perguntou-lhe ainda:
— Quanto a senhora pretende dar de gratificação?
— Duas libras.
— Duas é demais. Basta uma, e não se deve desperdiçar dinheiro.
— O senhor está me parecendo um tanto avarento.
— Não avarento, mas econômico.
Os dois se despediram, depois dos agradecimentos e demonstrações de simpatia. À noite a francesa estava entre os convidados de um banquete na corte, e espantou-se ao identificar no anfitrião, rei Guilherme I, o cavalheiro que resolvera a sua pendência com o cocheiro. Ele se aproximou e disse:
— Agora a senhora entende por que devo ser econômico: o dinheiro que eu gasto é dos meus súditos.
— E estou entendendo também por que aquele vosso súdito tremia tanto.(32:6914)

From: Chesterfield
Quando era ainda príncipe de Gales, um dia Eduardo VII caminhava sozinho por uma estrada rural, e alcançou uma velhinha carregando com cuidado uma cesta. Puxou conversa, enquanto andava ao seu lado, e perguntou:
— O que a senhora carrega nesta cesta?
— Estou voltando do mercado e levo para casa os ovos que não consegui vender.
— Ovos?! Mas eu estou interessado em ovos frescos. Se a senhora me ceder os seus, darei em troca um retrato da minha mãe.
— Meu filho, que queres que eu faça com o retrato da tua mãe?
— Quem sabe!...
Chegaram à cabana da velhinha, e o príncipe lhe deu então uma moeda de ouro onde estava cunhado o perfil da rainha. Só então ela entendeu quem era o seu companheiro de estrada.(32:4682)

From: Kaunitz
Alemanha e Áustria, além de países vizinhos, têm origem étnica, cultural e histórica muito próximas. Mas é bom conduzir independentemente os dois países, portanto proponho-me a cuidar da Áustria alegre e dançante, deixando ao Schwartzenberg a parte maior do mundo germânico.
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Tendo ao colo o filho que se tornaria o imperador José II, a imperatriz Maria Teresa passeava a pé pelas ruas de Viena e encontrou uma mulher pobre com o filho ao colo. A criança estava muito magra, e a imperatriz penalizada deu à mãe uma moeda.
— O que poderei fazer com uma moeda de ouro, senhora? Meu filho caminha para a morte porque lhe falta o leite, pois o meu seio secou.
A imperatriz tomou a criança nos braços e lhe ofereceu o próprio seio, só devolvendo-a depois de estar saciada.(32:9268)
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Maria Teresa acompanhava pessoalmente a construção do palácio de Schönbrunn. Um dia encontrou um bando de meninos que brincavam de modo perigoso, escalando o muro com o risco de cair e fraturar até mesmo o pescoço. Mandou chamar o chefe dos garotos e ordenou que lhe aplicassem alguns açoites. Muitos anos depois, quando assistiu a um concerto em sua homenagem, foi-lhe apresentado o maestro e compositor Joseph Haydn.
— Mas eu já vos conheço. Onde será que vos vi?
— Majestade, a vossa lembrança está relacionada com uns açoites que mandastes aplicar-me.
— Ah, bem! Lembro-me daqueles açoites. Mas era só para impedir-vos de quebrar o pescoço. E podeis ver agora que agi bem.(32:9269)

From: Orloff
Quando viajava incógnito pela França sob o pseudônimo de Conde do Norte, o grão-duque Paulo, que se tornaria depois o czar Paulo I, foi atendido numa hospedaria por uma jovem bela e inteligente. A esposa do grão-duque perguntou à jovem:
— Qual é o teu nome, minha querida?
— Madame, eu me chamo Jeanne, mas as pessoas me conhecem por Javotte (faladeira), porque acham que eu falo muito.
— Ah, então você gosta de conversar! Não quer conversar um pouco conosco?
— Com prazer, se a senhora o deseja.
— Você não é tímida? – perguntou o grão-duque.
— Não tenho acanhamento em relação ao senhor. Sei que sois um grande príncipe, tão rico quanto um rei, mas tendes a aparência de bondoso, e eu não teria em relação ao senhor o medo que tenho dos tenentes do Royal-Lorraine.
— Muito bem, Javotte! Já que você tem de mim essa boa impressão, pergunto-lhe o que posso fazer por você.
— Ora, senhor... Eu não sei...
— Não sabe? Pense em alguma coisa.
Ela se pôs a sorrir com um sorriso encantador, e disse:
— Ah, eu o sei muito bem, mas...
— Você quer que a ajude?
— É bem isso, se puderdes.
— Acho que já estou entendendo. Então responda-me francamente: você está noiva e quer se casar?
A face da jovem enrubesceu, e ela confirmou:
— Isso é bem verdade, senhor.
— Como se chama o seu noivo?
— Bastien Raulé, para vos servir.
— Qual a profissão dele?
— Talhador de pedras, senhor. É um bom emprego, mas bastante cansativo, e o deixa todo empoeirado.
— E por que vocês não se casam?
— Chegastes à grande dificuldade, senhor, pois nos falta o dinheiro. Ele não é rico e eu tenho um salário de dez escudos por ano.
— Então é só por isso que não se casam?
— Apenas por isso, senhor. Até que ele gostaria muito, e eu também.
— Ele é um rapaz bonito?
— Ah, quanto a isso, senhor, eu posso assegurar. Quando ele está bem lavado e bem vestido, é mais belo que qualquer oficial do Royal-Lorraine.
— E quanto lhes falta para poderem casar?
— Muito dinheiro, senhor, mais do que poderíeis dispor neste momento.
— Quanto seria isso?
— Ainda precisamos de... cem escudos, senhor.
Querendo deixar à esposa o prazer da generosidade, o grão-duque lhe fez um sinal, e ela chamou:
— Venha cá, Javotte, e estenda o seu avental.
Tendo a jovem obedecido, ela abriu a bolsa e colocou cem escudos de ouro no avental. A alegria e o espanto foram tão grandes, que ela exclamou:
— Meu Deus! Será que estou sonhando?!
Sem se preocupar com as moedas, que caíram ao chão, ela se ajoelhou e tomou a fímbria do vestido da grã-duquesa, osculando-o com lágrimas nos olhos. No dia seguinte, com o noivo endomingado, ela o apresentou ao casal, manifestando a mais sincera e comovida gratidão.(27:1:148)

From: Montmorency
Conheço alguns fatos sobre os dois séculos que antecederam a Revolução Francesa, e os relatarei à medida que conseguir reencontrá-los nos meus papéis.
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Depois de tornar-se viúvo, Luís XIV casou-se secretamente, em 1686, com a dama da corte Mme. de Maintenon. Quando criança, embora fosse de família nobre, ela levara uma vida de muitas privações em conseqüência de uma reação armada de membros da nobreza contra o Trono, conhecida como Fronda. Num dia em que se encontrava na antecâmara dos seus aposentos em Versalhes, apresentou-se um homem idoso que a abordou com respeitosa ousadia:
— Eu vi a senhora quarenta anos atrás, e suponho que não seríeis capaz de reconhecer-me. Mas não podeis ter-me esquecido completamente. Certamente vos lembrais de que, quando retornastes das Ilhas, todas as quintas-feiras comparecíeis à porta dos jesuítas de La Rochelle. Eu era encarregado de distribuir a sopa aos pobres, e notei uma criança que viria a ser a senhora, diferente daquela multidão de mendigos. Notei a nobreza da vossa fisionomia, totalmente deslocada naquele meio. Percebi o vosso acanhamento ao receber aquela esmola, e tive compaixão.
— Então foi o senhor que, para poupar-me a vergonha de ser confundida com aqueles miseráveis, levava a sopa aonde eu estava, e ainda me pedia mil perdões por ter de limitar-se a um socorro tão medíocre. O senhor me salvou a vida, dando-me aquele alimento, mas também compadecendo-se de mim por ver-me obrigada a mendigar publicamente.
Em seguida ela lhe deu uma quantia de que dispunha no momento, prometendo renová-la em outras ocasiões.(58:1:338)

Caro amigo, você tinha idéia de que os nobres agiam dessa maneira? Eu não tinha a menor noção disso. Portanto, acho que você também gostará das coisas que ainda tenho a dizer, e talvez até queira colaborar comigo na obtenção de outras.
O bem é difusivo por si mesmo. Era através dessas relações cordiais que os grandes acabavam por conhecer misérias anônimas, porque a miséria torna isolado e desconhecido aquele sobre o qual ela se abate. Freqüentemente, pelas mãos delicadas da esposa e das filhas, era dado aos grandes aliviar tantas dores que de outra maneira teriam ficado sem remédio.(89:247)
Para completar este primeiro dia, vou transcrever dois textos que me foram fornecidos por outro colega.
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O carinho cheio de dignidade e respeito, que os súditos devotavam à família real, transparecia também no relacionamento entre a nobreza rural e os camponeses. A grandeza dos senhores da terra não humilhava, mas elevava aqueles que trabalhavam no campo. O fato de esses nobres provincianos residirem próximo a seus auxiliares dava ensejo a manifestações recíprocas de solicitude e abnegação. O nobre Talleyrand, que teve papel nefasto na Revolução Francesa, narra nas suas Memórias os anos da infância passados junto à sua avó, Mme. de Chalais:

Mme. de Chalais era uma pessoa muito distinta. Seu espírito, sua linguagem, a nobreza de suas maneiras, o som de sua voz, tinham um grande encanto. Mantinha aquilo que ainda se chamava o espírito de Mortemart (era esse o nome de sua família).
O tempo que passei em Chalais causou-me profunda impressão. O respeito devido à dignidade era a pauta que regrava, nessas províncias distantes da capital, as relações dos antigos grandes senhores, ainda residentes em seus castelos, com a nobreza de uma ordem inferior e com os habitantes de suas terras. A pessoa mais importante da província ter-se-ia por aviltada se não fosse polida e benfazeja. Seus distintos vizinhos considerariam faltar a si mesmos, se não tivessem pelos seus antigos nomes de família uma consideração e um respeito que, expressos com liberdades decentes, não eram senão uma homenagem do coração. Sempre que os camponeses viam seus senhores, era para receber deles socorros e palavras encorajadoras e consoladoras.
Alguns velhos senhores, terminada sua carreira de corte, sentiam prazer em retirar-se para as províncias que tinham contemplado a grandeza de sua família. Aí, de volta aos seus domínios, gozavam de uma autoridade de afeição, aumentada e aureolada pelas tradições da província e pela recordação daquilo que tinham sido seus antepassados. Dessa espécie de consideração jorrava uma certa importância sobre aqueles que mais proximamente se sentiam objeto de seus favores.
Chalais era um dos castelos daquele tempo saudoso e querido. Muitos gentis-homens de velha estirpe formavam aí, para minha avó, uma espécie de corte. Nessa pequena corte os hábitos de deferência se conjugavam com os sentimentos mais elevados. Os senhores de Benac, de Verteuil, de Gourville, d’Absac, de Chauveron, de Chamillart, tinham gosto em acompanhá-la todos os domingos à missa paroquial, desempenhando cada um funções que a alta polidez enobrecia. Bem junto do genuflexório de minha avó ficava a pequena cadeira que me destinavam.
Terminada a missa, todos nos dirigíamos para uma ampla sala do castelo, chamada butique. Muito limpamente, e bem dispostos em pequenas prateleiras, aí estavam os vidros contendo ungüentos diversos, cujas receitas a velha residência conservava desde tempos imemoriais. Todos os anos eram renovados, pela solicitude do boticário e o desvelo do pároco do lugar. Havia também garrafas de elixir, xaropes e caixas contendo outros medicamentos. Os armários guardavam provisão considerável de chumaços, grande número de rolos de ligaduras de dimensões diversas, preparadas com velha roupa branca muito fina.
Na sala que precedia a butique, esperavam reunidos todos os doentes que vinham procurar socorros. Nós passávamos por eles e os saudávamos. Mademoiselle Saunier, a mais antiga camareira de minha avó, fazia-os entrar um após outro. Minha avó os recebia numa poltrona de veludo, tendo diante de si uma mesa negra de velha laca. Por direito, eu me colocava junto à poltrona da princesa.
Duas irmãs de caridade indagavam de cada enfermo suas moléstias ou suas feridas, em seguida diziam quais os ungüentos que podiam curá-los ou aliviá-los. Então minha avó designava o lugar em que eles se encontravam, e um dos gentis-homens que a acompanhara à missa ia buscá-los. Outro trazia a gaveta com as ataduras. Eu pegava um maço, passava-o a minha avó, e ela mesma cortava as bandas e as compressas de que necessitava.
Os doentes levavam para casa ervas para chá, vinho, remédios e alguns outros confortos, dos quais o mais tocante eram as bondosas palavras da boa dama, que os socorria em suas necessidades e se apiedava de seus sofrimentos. Os melhores remédios receitados por médicos de grande fama, ainda que distribuídos também gratuitamente, não conseguiriam reunir tantos indigentes. Sobretudo, não lhes proporcionariam tão grande bem, pois faltar-lhes-iam os eficazes efeitos morais que facilitam a cura do povo: a obsequiosidade, o respeito, a fé e a gratidão.
As lembranças do que vi e ouvi nesses primeiros albores de minha vida são para mim de uma doçura extrema. Repetiam-me cada dia: ‘Desde sempre o vosso nome é objeto de veneração nesta terra’. Outro dizia-me afetuosamente: ‘Nossa família sempre esteve ligada a alguém de vossa casa. A terra que nós temos, foi de vosso avô que a recebemos. Foi ele quem construiu a nossa igreja. A cruz de minha mãe foi presente de Madame. As boas estirpes não degeneram’.
Foi em Chalais, junto de minha avó, que sorvi todos os bons sentimentos... elevação sem orgulho... respeito... ternura sem familiaridade... afeto... porque há uma herança de sentimentos que cresce de geração em geração.(107:8)
Não conhece a doçura de viver, quem não viveu na França antes de 1789.(52:43)

No segundo texto, o conde Luís-Filipe de Ségur descreve o que encontrou quando voltou da Rússia, onde permanecera cinco anos como embaixador. Paris estava em plena efervescência revolucionária, em outubro de 1789. Comparando a situação de então com a que deixara ao partir, escreveu:
Ao rever a sociedade que fizera o encanto da minha juventude, encontrei-a com mais vivacidade, mais animada que outrora. Era difícil deparar com a indolência e o tédio. No entanto, não se via mais aquela doçura de viver, aquela elegância e urbanidade que constituíam a verdadeira escola do bom gosto e da graça. Um grande interesse animava constantemente os salões, mas era sempre a mesma coisa que se discutia. Eu procurava em vão, nas conversas, aquela variedade, aquela jovialidade, aquela tolerância mútua, aquela amável leveza que as tornava antes tão atraentes.(76:194)

Assim, meus caros amigos, podemos apresentar como conclusão deste primeiro dia que os reis e nobres, de modo geral, não eram os monstros que imagina a nossa cabeça impregnada de igualitarismo. Que nobres tenham cometido erros, é assunto indiscutível. E quem não os comete, nobres ou não? Portanto, minha intenção não é inocentar ninguém, pois sei que alguns dos personagens dos fatos citados – e certamente ocorrerá o mesmo em muitos dos que ainda virão – tiveram ação decididamente censurável. Para quem se limita às falácias da História tendenciosa e mal contada, a existência desses maus exemplos é tomada como pretexto para condenar todos os nobres ou para invalidar o que de bom eles fizeram.
A vida no Antigo Regime era muito agradável, num pleno entendimento e harmonia entre as classes de modo geral, contrariando a idéia que se tem hoje, difundida pelos artífices e adoradores da Revolução Francesa. Em meio à abundância de bens materiais, o nosso mundo atual é muito pobre de um bem fundamental que fazia a riqueza e felicidade daquele mundo antigo. Perambula-se hoje de prazer em prazer, mas permanece no fundo da alma a


Nostalgia de um mundo com a doçura de viver

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